Ainda que separação e afastamento sejam uma tônica comumente ressaltada no relato da queda (Gênesis 3), a narrativa da criação (Gênesis 1) começa com o esforço ativo da divindade para causar divisão. O verbo hebraico badal, traduzido geralmente como “separar”, “dividir”, aparece 5 vezes em Gênesis 1 (versos 4, 6, 7, 14, 18), enquanto o termo para “ajuntar”, qavah, ocorre apenas uma vez no mesmo capítulo (verso 9).
O Criador começa separando luz de trevas (verso 4) no primeiro dia e, depois, separa águas debaixo dos céus de águas sobre os céus (versos 6 e 7) no segundo dia. No quarto dia Ele cria luzeiros que fazem separação entre dia e noite, além de servirem de sinais para estações, dias e anos. Neste interim, no terceiro dia, Ele dá uma ordem para que as águas debaixo dos céus se ajuntem num só lugar de forma que apareça a porção seca. No hebraico, o sentido de badal (separar), em todas estas cinco aparições, transmite a idéia de que DEUS é quem provoca a separação: Ele é a causa, a razão, o agente da divisão. Por outro lado, a única aparição de qavah (ajuntar) sugere uma ação a ser acatada e obedecida de forma passiva pela criação, em resposta ao imperativo do Criador: ajuntem-se. Quando é para dividir, Ele é quem separa; quando é para unir, a criação é convocada ajuntar-se.
Embora a linguagem predominante seja de separação, estas ações refletem um intento organizacional. Inclusive, outras possíveis traduções para badal são “distinguir”, “fazer diferenciação entre”. DEUS exerce Seu domínio no mundo de forma que o mesmo possa ser um ambiente de relações possíveis. Antes, sem forma e vazio, agora moldado e preparado para que seres habitem e exerçam seu papel nele. Ao separar luz de trevas (e ao estabelecer luzeiros) o Eterno administra o tempo. Ao separar “céus e mares” e “mares de terra” o Soberano do Universo administra o espaço. E é neste tempo e espaço que aves, seres marinhos, animais terrestres e a humanidade vão se encontrar: com Ele, uns com os outros e consigo mesmos. Separar para ajuntar parece ser Seu propósito.
Em Gênesis 2, o sétimo dia é santificado (versos 1-3); ou seja: separado dos outros seis. O Criador descansa, abençoa e separa este dia para que Sua criação também entre no Seu descanso. No verso 7 Ele ajunta o que antes fora separado para formar o homem: pó da terra e fôlego de vida. Em Suas mãos o irreconciliável é harmonizado: o terreno e o celestial, o fugaz e o duradouro, o imanente e o transcendente. E com este vislumbre do Eterno, o terroso Adão se torna um ser vivente. A este é dada a incumbência de cuidar do jardim (verso 15) e dar nome aos animais (verso 19), atividades estas antes realizadas pelo próprio Criador (Gênesis 1:5, 8, 10; e 2:8-9). Sendo assim, o ser humano, feito à imagem e semelhança de DEUS, foi separado desde o princípio para um propósito sublime: Imago Dei (ser como DEUS é) e Imitatio Dei (fazer o que DEUS faz). É exercer o domínio que lhe foi outorgado sobre a criação de modo às distinções necessárias serem feitas e as boas relações estabelecidas. É ver o que fizera durante o dia e perceber que, do que fora separado e do que fora ajuntado, tudo era muito bom
No entanto, lamentavelmente, Gênesis 3 revela que o homem não soube distinguir o bem do mal. Ao se juntar com a serpente, o primeiro casal experimentou a realidade da separação causada pelo pecado: medo, que produziu afastamento de DEUS (versos 8-10), do próximo (verso 12), da criação/solo (verso 17) e de si mesmo (versos 10 e 19). Desde o instante em que os olhos da humanidade se uniram à voz do inimigo e que o seu coração se afastou de DEUS, temos dificuldade em saber do que nos apartar e a que nos apegarmos. Nos unimos ao pecado e nos separamos do pecador; nos atrelamos ao transitório e nos desapegamos do Eterno; não largamos o medo, mas descartamos o amor.
Contudo, ainda que o pecado e a morte tenham separado o pó e o fôlego que DEUS juntou, o Céu e a Terra se ligaram novamente na pessoa de Jesus Cristo, e, por meio dEle, o muro de separação veio abaixo e a ponte cruciforme da reconciliação foi estabelecida. A boa nova não é só que o mundo foi reconciliado com DEUS, mas também que foi dado aos que estão em Cristo o privilégio de serem agentes de reconciliação (2 Coríntios 5:19). Paralelamente à criação, na recriação DEUS separa (o pecador da morte eterna, na cruz) e convoca seus filhos a obedecerem seu chamado à unidade (experimentando e partilhando perdão).
Tanto na criação como na recriação, quer seja para separar, quer seja para ajuntar, o ser humano é convidado a ser como DEUS é e a fazer o que DEUS faz.
Weslley Moura