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Na abertura do livro de Salmos encontramos uma descrição opositiva entre o feliz/justo e o ímpio. Esta adversidade é explorada através do movimento. No início do salmo (verso 1) feliz é aquele que se move, anda, não se detêm, não senta. Já o ímpio é uma figura inerte, sem movimento. Em seguida (verso 3) o justo é comparado a uma árvore, agora fixa, não em um lugar qualquer, mas sabiamente plantada junto a correntes de águas enquanto o ímpio (verso 4) voa como uma palha, em um movimento sem direção, gerido pelo acaso das correntes de ar, o vento.

Por estar plantada no lugar ideal, a árvore produz a razão maior de sua existência: o fruto. Claramente se enxerga o ciclo do “ser para oferecer” do “receber a benção para abençoar”. Toda boa árvore existe para frutificar. Em oposição a ventos desconexos encontramos aqui uma árvore regida pelo tempo. Não um tempo aleatório, ou pelo acaso, mas ao seu devido tempo (verso 3) com a palavra (beito  בְּעִתּ֗וֹ). Mas como entender o tempo certo de um DEUS Eterno?

Esta expressão aparece 12 vezes na Bíblia Hebraica, sendo 11 apresentando DEUS como o autor da ação e 1 como provérbio (Provérbios 15:23). DEUS dá a chuva em seu devido tempo (Deuteronômio 11:24, Deuteronômio 28:12, Jeremias 5:24, Ezequiel 34:26); DEUS dá o alimento em seu devido tempo (Jó 5:26, Salmos 104:27, Salmos 145:15,); DEUS retêm o alimento em seu devido tempo (Oséias 2;11); DEUS cria as constelações em seu devido tempo (Jó 38:32); DEUS tudo criou em seu devido tempo (Eclesiastes 3:11). Estes textos podem ser agrupados em três categorias: chuva, alimento e criação.

Ao observar a chuva, assim como os fenômenos da natureza, vemos que esta é intangível ao ser humano. Não há nada que possamos fazer para alterar um milímetro de seu curso natural. Assim “O SENHOR te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar chuva à tua terra no seu tempo e para abençoar toda obra das tuas mãos; emprestarás a muitas gentes, porém tu não tomarás emprestado (Deuteronômio 28:12)”. Adonai é o DEUS da chuva e chuva é sinônimo de benção. A benção certa no momento certo. A benção da aliança é o céu aberto no tempo de Deus e uma boa árvore sabe disto.

O alimento também é um presente dEle. A primeira refeição veio das mãos do Criador (Gênesis 1:29-30) pois é Ele quem dá: “Em ti esperam os olhos de todos, e Tu, a seu tempo, lhes dás o alimento.” (Salmos 145:15) É Ele, também, quem retêm: “Portanto, tornar-me-ei, e reterei, a seu tempo, o meu trigo e o meu vinho, e arrebatarei a minha lã e o meu linho, que lhe deviam cobrir a nudez.” (Oséias 2:9) Entender o tempo de DEUS também é entender que Ele é, sempre foi e sempre será o mantenedor de seus filhos.

Quanto à criação, o Eterno questiona Jó, se este poderia “produzir as constelações a seu tempo, e guiar a Ursa com seus filhos?” (Jó 38:32) No início do mesmo capítulo Deus pergunta “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? […] Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel?” (Jó 38:4-5) Mais uma vez o Eterno alinha o tempo com aquilo a que não temos acesso: a criação. Ou seja: quando o assunto é o “devido tempo” somos apenas criaturas.

Sendo assim, “tudo fez DEUS formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que DEUS fez desde o princípio até ao fim.” (Eclesiastes 3:11) DEUS nos criou e plantou a eternidade em nosso coração em dia e hora exatos. Chuva, alimento e criação são atributos daquEle que é o dono do tempo. Há momentos em que se faz necessário mover-se; em outros momentos justamente o “não se mover” para que os frutos surjam “em seu devido tempo”.

Por fim: O que seria o tempo certo para DEUS? A eternidade. O que esperar do tempo? Nada, pois não nos pertence. Como se relacionar com tempo? Como Jó, se colocando no lugar de criatura.

Lúcio Pereira