#90

No texto #78 vimos a primeira parte da história de Ezequias (2 Reis 18:1-19:37). A segunda seção narrativa sobre esse rei começa em 2 Reis 20:1 com o uso da expressão bayamyim hahem (בַּיָּמִים הָהֵם), que significa, literalmente, “nos dias, aqueles”. A pergunta óbvia, então, é: a que dias ele se refere?

Bem, o relato deste capítulo trata do anúncio da doença de Ezequias, logo no início. A doença é mortal e o profeta Isaías anuncia ao rei sua iminente morte. O anúncio de enredo no início deste capítulo parece fatídico. O bom rei irá morrer. Este anúncio ecoa dois outros anteriores: em 1 Reis 14:1-20 o filho de Jeroboão, um rei mau, está doente e ao consultar o profeta Aías, este anuncia a morte do menino, o que, de fato, passa a suceder; em 2 Reis 1:1-8 o rei Acazias fica doente e Elias também anuncia sua morte, que, de fato, ocorre. Ou seja: quando o profeta anuncia a morte de alguém, na narrativa dos livros de Reis, geralmente esta morte acontece. O leitor mais avisado, lendo a profecia de Isaías, espera a morte do rei.

Na sequência do relato, no entanto, Ezequias faz o que tinha feito antes, ora (2 Reis 20:2-3). Ele ora a DEUS pedindo por sua vida. Seu argumento, embora pareça uma justificação por obras, está baseada na aliança. Isto, porque em 2 Reis 20:7 o profeta o aconselha a colocar pasta de figos sobre a úlcera (em hebraico shechin שְׁחִין), que é uma das doenças enumeradas, algumas vezes, nas chamadas maldições da aliança de Deuteronômio 28 (Deu teronômio 28:27, 35)[1]. Quer dizer que Ezequias evoca os termos da aliança: sendo ele fiel, por que morreria de uma doença associada às maldições da aliança, que aconteciam em decorrência da desobediência? Sua oração começa com o pedido por lembrança –“lembra-Te, por favor”– que também remete à aliança, já que o próprio DEUS promete, inúmeras vezes, Se lembrar (Êxodo 2:24, entre outros).

Dentre as várias coisas que chamam à atenção, o que se destaca prontamente é que o rei recorre à oração. Não importa o problema, ele ora. Pode ser uma oração longa, como quando da guerra, ou curta, como esta em relação à doença, mas ele ora. E ora sempre nos termos da aliança de DEUS com Seu povo, quer seja em favor do próprio povo, quer seja em favor dele mesmo. DEUS ouve a oração e poupa a vida de Ezequias naquele momento, acrescentando 15 anos de vida/reinado e ainda um sinal miraculoso de que esta promessa se cumpriria: a sombra do sol retrocede 10 graus (2 Reis 20:6-11).

A pergunta proposta inicialmente –quando acontece esta notícia da doença e a cura?– é respondida em 2 Reis 20:6: “Acrescentarei aos teus dias 15 anos e das mãos do rei da Assíria te livrarei, a ti e a esta cidade; e defenderei esta cidade por amor de mim e por amor de Davi, meu servo.” O cerco de Jerusalém e a doença de Ezequias acontecem na mesma época. Que contexto! No meio do cerco, com a ameaça iminente de destruição de Jerusalém, Ezequias também recebe a notícia de sua iminente morte, não por guerra, mas por doença. Nas duas situações ele ora. A oração do rei salva a cidade. A oração do rei salva o próprio rei.

Aquela frase tão forte do início do relato de Ezequias –“Confiou no Senhor, DEUS de Israel, de maneira que depois dele não houve seu semelhante entre todos os reis de Judá, nem entre os que foram antes dele” (2 Reis 18:5)– precisa ser compreendida exatamente no contexto destes dois episódios: a guerra e a doença. A confiança incomparável de Ezequias se fazia notável em sua busca incessante a DEUS através da oração.

[1] Também aparece como uma das pragas do Egito em Êxodo 9:9-11 e como uma das manifestações da chamada “lepra” em Levítico 13.