A criança fascina pela espontaneidade. Normalmente temos a oportunidade de observar seu comportamento dentro de casa (quando nos é permitida a bênção da paternidade), em festas e encontros em casas de amigos ou, nos corredores da igreja que freqüentamos. Diante de qualquer uma delas, invariavelmente vem a vontade de fazer “gracinhas”, reproduzir vozes estranhas, apertar suas bochechas, abraçar contra o peito, jogá-las para o alto, fazer cócegas, etc. Geralmente elas acabam gostando de alguma destas bobagens e, sem nenhuma vergonha, retribuem com um sorriso largo acompanhado de um pedido: “de novo!” Entretanto, o que muitas vezes passa desapercebido é a existência de um “efeito rebote” nos corredores recônditos de minha adultice. Nestas horas, diante do inesperado encontro comigo mesmo, vem uma melancolia arrebatadora capaz de despertar em mim uma imensa vontade de não ser quem sou.
Se eu não fosse gente grande, teria a capacidade de atrair pessoas com um simples e largo sorriso. Seria inteligente ao ponto de ver graça nas coisas mais triviais da vida. Me contentaria com pipa, linha e vento. Correria desengonçadamente e de olhos fechados… despreocupado com uma possível queda.
Veria meus pais com outros olhos, pois ao ouvir o som das palmas de suas mãos me chamando para pular, me lançaria sem medo da altura. Mas o problema é que sou adulto… pondero tudo, analiso as circunstâncias, meço a capacidade dos meus pais e, infelizmente, os subestimo. A adultice me fez crer que os pais jamais terão a mesma força que outrora tiveram. Em virtude de me ver neles e eles em mim, chego à infeliz e equivocada conclusão que há uma relação direta de proporcionalidade entre ser adulto e ser fraco.
Se eu não fosse adulto, não seria consumido pela ansiedade de realizar, pela neurose do ter ou pelo cansaço do querer sem poder. Sentaria no chão sem “modos”, me apresentaria sem rótulos e não daria confiança à opinião alheia. Beijaria as menininhas com pureza, seria “namoradinho” de muitas sem perder a inocência. Viveria em função de dois chinelos para marcar as traves de uma rua sem muito movimento para ser meu campo oficial e de uma bola de futebol; pois para meninos, ter uma bola pra chutar significa exatamente “ter o mundo a seus pés”. Sujaria as melhores roupas brincando, morderia sem dó uma maçã que acabou de cair no chão, lamberia sem cerimônias a tampa da embalagem de iogurte e lambuzaria a cara inteira chupando uma manga rosa… tudo isso livre do constrangimento causado pelos olhares que me cercam. Não teria medo de me expôr ou de parecer ridículo, de chorar na frente de quem fosse e, na mesma proporção, de rir imediatamente após.
Dentro de mim convivem os dois, homem e menino. Às vezes, como que num rompante de inexplicável felicidade, acorda o menino. Quase sempre, como que numa constante de realidade, não dorme o homem.
Ah Paizinho…! me ensina a ser criança novamente. Me livra dessa mania horrorosa de querer ser grande.
Seu filho, hoje homem, ontem menino.
“Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de DEUS como menino, de maneira nenhuma entrará nele.” (Marcos 10:15)