O texto de Êxodo 20:2-17 contém em torno de 172 palavras; o quarto mandamento, que diz respeito ao sábado, representa cerca de um terço disto, com 55 palavras; ou seja: ele toma quase metade de todo o resto do Decálogo (55 palavras para o quarto mandamento e 117 para os outros nove mandamentos). Isto, por si só, já demonstra a relevância do sábado dentro do e para o texto.
A centralidade do sábado dentro da unidade do Decálogo, no entanto, também se dá por sua transitividade entre leis que se referem unicamente ao relacionamento com a divindade (os três primeiros mandamentos) e leis que se referem unicamente à humanidade (os seis últimos mandamentos).
Outro fator relevante é que o texto referente ao quarto mandamento está, diferentemente do restante, marcado por uma clara inclusão (paralelismo envelope), que se dá pelo paralelo entre Êxodo 20:8 e o final de Êxodo 20:11, respectivamente: “Lembra o dia do sábado para santificá-lo” e “portanto abençoou YAHWEH o dia do sábado e o santificou”.
Nos dois casos, no hebraico, o dia de sábado está ligado à raiz קדשׁ (santificar) no tronco piel. Nos dois casos o uso da raiz aparece depois da construção definida que envolve sinal do objeto direto e dois substantivos. A diferença é que em Êxodo 20:8 o homem é instado a santificá-lo e em Êxodo 20:11 o próprio DEUS o santifica.
Esta inclusão aponta para o próprio caráter dialógico do sábado, pois a convocação para que o homem o santifique se coloca em paralelo com a santificação do sábado por DEUS. Ainda é possível perceber que a inclusão parece determinar uma estrutura no texto:
A – O homem deve lembrar do Sábado para o santificar (Êxodo 20:8)
B – Seis dias o homem faz todo o trabalho (Êxodo 20:9)
C – O sétimo dia é de DEUS, por isso o homem (e sua família, seus animais, etc., tudo da porta para dentro) não deve trabalhar (Êxodo 20:10)
B’ – Seis dias DEUS fez todo o trabalho (Êxodo 20:11a)
C’ – O sétimo dia é o descanso dEle (Êxodo 20:11b)
A’ – DEUS abençoa o Sábado e o santifica (Êxodo 20:11c)
Nesta estrutura, além da inclusão já destacada entre Ex. 20:8 e 20:11c (com repetição de raiz e da cadeia definida, mas com inversão de sujeito), temos mais dois paralelos. O primeiro é entre os “seis dias”, que em Êxodo 20:9 se referem ao homem e o que ele faz, mas em Êxodo 20:11a se referem ao que DEUS faz (inclusive com o uso do mesmo verbo para “fazer”). Neste paralelo, mais uma vez, ocorre repetição de raiz e de cadeia substantiva e, novamente também, inversão de sujeito.
O segundo paralelo na estrutura de Êxodo 20:8-11, além da inclusão, é entre o “sétimo dia”, que em Êxodo 20:9 é atribuído como sábado para YAHWEH e, por isso, todo o trabalho do homem é proibido não somente ao indivíduo, mas à sua família, seus servos, seus animais e até ao estrangeiro que estiver dentro de sua casa. Já em Êxodo 20:11b a construção, mais simples e curta, apresenta o descanso de DEUS no sétimo dia, indicando a cessação da obra dEle, principalmente pelo uso do verbo נוּחַ (nuach) que indica repouso no sentido de “parar de movimentar-se”.
Os três paralelos indicam que a estrutura está dividida em duas partes: a primeira que se refere ao homem e sua relação com o sábado, com DEUS e com os que estão próximos e na sua esfera pessoal (das portas para dentro) e a segunda parte que se refere a DEUS e Sua relação com o sábado e com a Criação. A inclusão indica a estrutura e a estrutura ratifica a inclusão. Em todos os casos, o sábado é colocado como um chamado à imitação divina (imitatio Dei).
A relação com a Criação é, em parte, a originalidade do sábado, pois lhe confere um caráter diferenciado e até antitético ao sistema Babilônico e Assírio, que também tinha um sábado (šabattu ou šapattu). Enquanto este sábado mesopotâmico era um dia marcado com relação à lua cheia e apontado para a adoração dos corpos celestes, jejum e atos de aflição diante dos deuses, o sábado de Êxodo 20:8-11 era um dia de descanso, de bênção e de adoração daquEle que fez os corpos celestes e criou todas as coisas [1].
O sábado do quarto mandamento, com sua ligação direta com a Criação (Gênesis 2:1-3), independe de qualquer fenômeno natural ou humano e se firma como um presente divino fiado exclusivamente na ação dEle de criar e de descansar da e na Criação (Provérbios 8:27-31).
[1] Talvez a relação entre sábado e jejum de Isaías 58 possa ser mais bem compreendida a partir do contraste entre a forma de observância proposta por DEUS e a praticada por outros povos.