“A falsificação da qual o cristianismo é culpado: não tornar explícito, de forma franca e sem reservas, o requerimento cristão.”
Kierkegaard
Um dos inúmeros problemas na natureza do que hoje se tornou “cristianismo” é a distinção entre a informação que se tem a respeito de DEUS e o conhecimento/sabedoria de DEUS. O imperativo cristão não é meramente espalhar informação a respeito DEUS, mas sim, o conhecimento e a sabedoria de DEUS (2 Coríntios 2:14).
Grande pode ser o abismo entre informação e conhecimento, isto é, a diferença entre as proposições a respeito de DEUS e a vivência diante de DEUS. Enquanto umas se limitam ao âmbito cognitivo, a outra ultrapassa o cognitivo e deságua no modo de viver. Os dois sentidos de conhecimento, no entanto, cognitivo e experiencial, estão contidos na palavra yadah no hebraico (usada tanto para conhecimento de DEUS como para a intimidade de um casal).
Tão fundamental é o conhecimento de DEUS na Bíblia que ela está diretamente ligada à salvação. Enquanto o cristianismo em suas diversas formas prega que as ações de Cristo na cruz fazem a realidade da igreja ser voltada para celebração/adoração e não necessariamente para o conhecimento/estudo/vida o texto de João 17:3 diz: “e a vida eterna é esta: que Te conheçam a Ti, como o único DEUS verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que Tu enviaste.” Até mesmo o conceito de discipulado está atrelado ao conhecimento de DEUS manifestado no “permanecer na Palavra” (João 8:31). Os verdadeiros discípulos vivem como seu mestre, pois pensam como seu mestre.
Toda liturgia, teologia, canção, ou vida que meramente comunica informação a respeito de DEUS é superficial e rasa. São fins em si mesmo. A informação é passada. Ponto final. Não movem o ser humano à contínua educação e consequentemente, serviço. Não permanecem de pé diante do ideal exposto no evangelho de Jeremias 22:16 onde julgar a causa do pobre e necessitado é o sinal do verdadeiro conhecimento do Eterno. O requerimento cristão é perdido quando apresentado como mera informação. E é esta incoerência que impede muitos de experimentarem e vivenciarem a verdadeira realidade cristã. Tal qual os fariseus nos tempos de Jesus, através de nossa letargia espiritual, nós não entramos pela porta do Reino e, através da mesma ação, impedimos outros de entrar.
Informação cristã/religiosa –qualquer que seja em qualquer formato– não é o suficiente. Verdadeiro conhecimento de DEUS é necessário, pois apenas o conhecimento que está atrelado à forma de vida em sua essência (e não aparência) resulta em verdadeiro serviço a humanidade.
É por esta incoerência que os membros do atual “cristianismo” não entendem a relação entre “estar na igreja” e “salvação.” O pressuposto é: estou na igreja (recebendo informações cristãs), logo: estou salvo. Informação cristã não salva ninguém. Cada comunidade cristã deve realizar o seu próprio diagnóstico neste quesito. Nossa existência se limita apenas a compartilhar informações a respeito de DEUS (através da liturgia e ações missionárias) ou não?
Romanos 9:6 resume bem o problema no “cristianismo” ao Paulo levantar a questão: “porque nem todos os que são de Israel são Israelitas…” O que a princípio parece ser uma incoerência lógica se abre para um dos desenvolvimentos teológicos mais belos do Novo Testamento. Quem é Israel então? Quem são aqueles que de fato devem carregar o nome do povo de DEUS? Quem são aqueles que devem ser considerados família de DEUS? Os descendentes de Jacó? Sangue? Linhagem? Os que foram escolhidos ou predestinados por DEUS para a salvação? Para Paulo nenhuma destas respostas é correta. Paulo curiosamente começa a responder a pergunta com a figura de Abraão, e não Jacó (que se tornou Israel depois da luta com um anjo). Ser Israel vai além da descendência, está atrelada à forma de vida e de fé que é traçada de volta até Abraão, o gentio. Israel é aquele que vive como Abraão, não aquele que obtém informações a respeito de Abraão, quanto menos aquele que é apenas descendente de Abraão.
Abraão, o pai da fé pecador, pela fé, invadiu a terra da promessa para resgatar Ló com poucos homens. Mais tarde, no mesmo local, Israel convoca alguns espias para espiarem a terra que posteriormente seria conquistada pelos Israelitas. No retorno dos espias o povo treme diante do desafio e morre no deserto. O que Abraão fez com poucos, Israel não fez com centenas de milhares. Tinham o sangue de Abraão, mas não a fé de Abraão.
O requerimento cristão está atrelado ao conhecimento de Deus, está entrelaçado a uma forma de vida. Informação cristã é apenas isso: informação.