Preocupados em compreender algumas ações bizarras realizadas por profetas na Bíblia Hebraica, alguns estudiosos tendem a valorizar os aspectos sociais, comunicativos e didáticos de tais ações se esquecendo de um ponto chave: o pano de fundo da aliança.
Jeremias é um dos livros que mais apresenta relatos de ações simbólicas(1). Em Jeremias 13:1-11, por exemplo, o profeta deveria comprar um cinto de linho e, depois de usá-lo, levá-lo até o Eufrates e escondê-lo. Depois de muitos dias lhe foi feito o pedido que voltasse àquele lugar e buscasse o sinto de linho, agora já apodrecido. Deixando de lado todas questões logísticas para tal ação, curioso é que três vezes é dito a Jeremias que usasse o cinto colocando-o sobre os lombos (versos 1-2, 4). Esta parece ser uma indicação desnecessária, a não ser que tenha havido um possível motivo especial, além do simples fato de especificar como o cinto deveria ser usado.
Para entender melhor o porquê de tal indicação, primeiro, devemos lembrar de um trecho do verso 10 no mesmo capítulo, onde é dito: “[…] e anda após outros deuses para os servir e adorar […]”. Esta mesma frase ocorre também em sua forma completa em Deuteronômio 8:19, Juízes 2:19, Jeremias 16:11, e 25:6; todas elas inseridas em um contexto de aparente quebra da aliança.
Contudo, não é somente este versículo que evoca aspectos da aliança entre YHWH e Israel. Em Jeremias 13:11, lemos: “[…] para me serem por povo, nome, e louvor e glória […]”. O verso 11 traz uma sequência com as palavras עַם (povo), שֵׁ֣ם (nome), תְהִלָּ֖ה (louvor), e תִפְאָ֑רֶת (glória). O outro único lugar onde aparecem todas estas mesmas palavras é em Deuteronômio 26:19(2).
Tendo as relações anteriores em mente, o fato de Jeremias ter de vestir o cinto também parece estar relacionado à utilização do verbo בַקדָּ (dābaq – “agarrar”; “segurar”; “apegar-se” – verso 11) em Deuteronômio. Esse termo é conhecido por estar inserido no contexto de aliança ao falar da fidelidade do povo ao Senhor.
O relacionamento entre o povo e DEUS é iniciado por DEUS, que escolhe o povo, como alguém que escolhe um cinto de linho. O ponto de intimidade entre a pessoa usando o cinto e o item pode facilmente aludir à compreensão antiga da relação de aliança entre Deus e o povo, que também surge de uma iniciativa divina. O mais importante não é a escolha do cinto. Mas o ato de usá-lo e mantê-lo próximo. Ao distanciar o objeto de si, o resultado é o apodrecimento.
(1) Como por exemplo: o fato do profeta não poder tomar uma esposa (16:1–4); o fato de não poder comparecer a casas de luto e a banquetes (16:5–9); a quebra do jugo no vale do filho de Hinom (19:1–13); os canzis de madeira e de ferro (27–28); a compra da porção de terra em Anatote (32).
(2) Outras variações desta forma aparecem em Sofonias 3:19,20, 1 Crônicas 22:5 e Jeremias 33:9.