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Em Gênesis 25:22-23 um enredo, já nos primeiros momentos, é esboçado: no ventre da mãe –Rebeca– dois fetos em formação lutam (o verbo utilizado significa “esmagar”). Rebeca então reclama e consulta ao ETERNO para tentar entender o que poderia estar havendo. Ela recebe um oráculo: seriam duas nações, dois povos, que seriam divididos e não se ajuntariam. Literalmente ela escuta: “nascidos de você, serão divididos um do outro”. Haveria divisão entre ambos desde antes do nascimento. Aqui ocorre o que se chama, em teoria da narrativa, um anúncio de enredo.

O texto acrescenta uma sentença que pode ser traduzida de duas maneiras: a) o mais velho servirá ao mais novo; ou b) o mais forte servirá ao mais fraco. As duas leituras possíveis apontam para um mesmo caminho: além da divisão entre ambos, haverá submissão e haverá domínio.

Gênesis 25:25-26 não demora a solucionar o enigma para o leitor: nasce primeiro Esaú, coberto de pelos (daí uma das possibilidades da origem do seu nome). O primogênito sai vencedor da primeira batalha. E na sua cola, como o texto coloca, nasce seu irmão, segurando seu calcanhar e por isso é chamado Jacó (Ya’acov – tornozelo). A diferença entre ambos se estende ao trabalho:  Esaú é homem do campo, um caçador; Jacó é homem pacato, mais bem traduzido como “ingênuo”.

A história que segue em Gênesis 25:28-34 fala de como Jacó comprou para si o que a profecia dissera que seria seu. Notem que há um ponto interessante e importante nesta história: o texto bíblico, ao contrário do que se diz, não julga Jacó pela compra da primogenitura, porém julga Esaú pela venda da mesma. O texto diz que Esaú desprezou seu direito. O que foi anunciado no início da narrativa se torna realidade. O que havia sido predito, parece se cumprir. A primogenitura era, profeticamente, de Jacó. E agora também o era por direito de compra.

Entretanto, uma nova situação se configura em Gênesis 27: Isaque, agora cego, achando que estava perto da morte, chama seu filho preferido e pede a ele que lhe prepare uma comida especial. Conhecemos a história, Rebeca ouve tudo e manda que Jacó se passe por Esaú. Jacó obedece à mãe e, diante de seu pai, segundo o texto, mente duas vezes se passando por Esaú.

Isaque então o abençoa como se fosse Esaú (Gênesis 27:27-29). E para Esaú, que chega depois, Isaque pronuncia uma maldição (Gênesis 27:39-40). Antes de continuar, no entanto, repare na benção que Jacó recebe quando Isaque já sabe se tratar de Jacó (Gênesis 28:2-4): Ele lhe dá a benção e o chamado abraâmicos; ou seja: já sabendo de quem se trata, Isaque oferece a Jacó a benção da aliança!

Pelas interferências humanas na história, o narrador anuncia um novo enredo em Gênesis 27:41. A divisão anunciada se transforma em ódio e promessa de morte. Mas parece que já sabemos o que vai acontecer, através das benção dadas por Isaque. Jacó será senhor sobre seu irmão. E Esaú servirá seu irmão mais novo, corroborando o oráculo recebido por Rebeca no início da história.

Outro aspecto importante é que essas são as duas únicas mentiras contadas por Jacó. Aqui, e somente aqui, ele engana seu pai. A partir daqui e até o final do texto bíblico, Jacó será enganado. Primeiro por seu sogro (Gênesis 29:21-30; 31:4-10), depois por suas esposas (Gênesis 30:15-16; 31:34) e por fim, por seus filhos (Gênesis 34:25-31; 37:28-36).

O enredo anunciado se cumpre, mas as tentativas humanas de acelerá-lo criam situações que causam problemas maiores. DEUS controla a história e seus anúncios se cumprirão no tempo certo de jeito certo.