O. Palmer Robertson afirma (em The Christ of the Prophets, 2008, página 53.): “O chamado divino dos profetas indica que eles eram agentes religiosos independentes. Eles deviam a origem e continuidade do seu ofício a nenhum outro, senão DEUS. Nem o rei, nem o sacerdote, nem sequer outro profeta era a fonte de sua autoridade, e nenhuma destas pessoas poderia tomar seu ofício. Sua prestação de contas era unicamente ao DEUS majestoso que os havia chamado.
No fim de 1 Reis 22, é dito a respeito de Acazias (1 Reis 22:53-54): “Fez o que era mau perante o Senhor; porque andou nos caminhos de seu pai, como também nos caminhos de sua mãe […] Ele serviu a Baal, e o adorou, e provocou à ira ao Senhor”. Apesar de tal relato não causar espanto devido à associação com a descrição dos pais, a declaração sobre Acazias prepara a atmosfera para o início de 2 Reis.
No primeiro bloco de 2 Reis 1 é dito que Acazias caiu pelas grades de um quarto alto, adoeceu e enviou mensageiros para consultar Baal-Zebube com a intenção de saber se sararia da doença. No verso 3 o Anjo do SENHOR aparece a Elias dizendo que encontrasse os mensageiros do rei e lhes dissesse as seguintes palavras: “Porventura, não há DEUS em Israel, para irdes consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom? Por isso, assim diz o Senhor: Da cama a que subiste, não descerás, mas, sem falta, morrerás […]”. Os mensageiros voltam ao rei com a mensagem de Elias.
No segundo bloco o rei envia um capitão com 50 soldados para que levassem o profeta (que no momento estava no alto de um monte) até ele. O capitão diz a Elias: “Homem de Deus, o rei diz: Desce” (verso 9). Elias responde: “Se eu sou homem de Deus, desça fogo do céu e te consuma a ti e aos teus cinquenta” (verso 10). Então, desceu fogo do céu e os consumiu. A mesma coisa se repete nos versos 11-12 com um segundo grupo de soldados liderado por outro capitão. O fim destes é o mesmo. Todavia, na terceira vez, nos versos 13 e 14, é dito: “[…] então, subiu o capitão de cinquenta. Indo ele, pôs-se de joelhos diante de Elias, e suplicou-lhe, e disse-lhe: Homem de DEUS, seja, peço-te, preciosa aos teus olhos a minha vida e a vida destes cinquenta servos […]”. O Anjo do Senhor indica a Elias que vá com aquele oficial. Elias vai e apresenta as seguintes palavras ao rei (verso 16 e 17): “[…] Assim diz o Senhor: Porque enviaste mensageiros a consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom? Será acaso, por não haver Deus em Israel, cuja palavra se consultasse? Portanto, desta cama a que subiste, não descerás, mas sem falta morrerás. Assim, pois morreu, segundo a palavra do Senhor, que Elias falara […]”.
Ao recordarmos este episódio da vida de Elias, percebemos como a narrativa é construída para apresentar o confronto entre a autoridade do rei Acazias e a autoridade de DEUS através do profeta Elias. Alguns contrastes entre as autoridades podem ser notados. Um deles é a pergunta (repetida 3 vezes): “Porventura, não há DEUS em Israel, para irdes consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom?” (verso 3b, 6 e 16), que traz o nome deste deus estrangeiro, o qual, ironicamente, segundo o ugarítico era reconhecido como o deus-fogo. Outro aspecto curioso é o contraste entre os mensageiros do rei (mensageiros do rei [verso 2 – mal’akhim/ מַלְאָכִ֔ים]) com o de DEUS (Anjo de Senhor [verso 3 – umalakh YHWH/ וּמַלְאַ֣ךְ יְהוָ֗ה]), sendo que no hebraico a mesma palavra se aplica tanto ao anjo como ao mensageiro. Somando-se o fato de que os mensageiros do rei acabam levando para ele a palavra do Mensageiro do Senhor.
No entanto, toda discussão sobre de quem é a autoridade deságua em um ponto ilustrado por meio dos oráculos de julgamento (repetidos 3 vezes – versos 4, 6, 16): “Da cama a que subiste, não descerás, mas, sem falta, morrerás.” A questão da autoridade é estampada ao se apontar na narrativa quem tem o controle de quem sobe e de quem desce.
O rei “caiu” (verso 2 – vaypol/ וַיִּפֹּ֨ל); ao Anjo do SENHOR é dito: “sobe” (verso 3 – qum/ ק֣וּם); ao rei deve ser dito: “da cama que subiste, não descerás” (verso 4 – hamitah ’asher ‘alyta sham lo’ tered/ הַמִּטָּ֞ה אֲשֶׁר־עָלִ֥יתָ שָּׁ֛ם לֹֽא־תֵרֵ֥ד); os mensageiros dizem ao rei que “um homem nos subiu” ao encontro (verso 6 – ’ysh ‘alah/ אִ֣ישׁ׀ עָלָ֣ה); o primeiro capitão ordena a Elias: “desce” (verso 9 – ridah/ רֵֽדָה); Elias ordena que “desça fogo” do céu (verso 10 – tered ’esh/ תֵּ֤רֶד אֵשׁ֙); o segundo capitão ordena: “desce depressa” (verso 11 – meherah redah/ מְהֵרָ֥ה רֵֽדָה); Elias ordena que “desça fogo” do céu (verso 10 – tered ’esh/ תֵּ֤רֶד אֵשׁ֙); e o terceiro capitão “subiu” (v.13 –vaya‘al/ וַיַּ֡עַל). Sendo que o último não pede para Elias descer. É ele quem desce, se ajoelhando (verso 13 – vayikhra‘/ וַיִּכְרַ֥ע).
DEUS é soberano. ELE está no controle de tudo. Em 2 Reis 1 isto pode ser visto claramente através de quem tem o poder de subida e descida ao longo da história. Nos relatos de ações deste “homem de DEUS” (versos 9-13), é possível notar que, tal qual no seu nome (Elias/ ’elyahu/ אֵ֣לִיָּ֔הוּ – “YHWH é o meu Senhor”), DEUS era o soberano em sua vida.