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Ainda tratando da linguagem bíblica, nota-se que cada vez mais se tem priorizado uma linguagem de distinção e rigor no ambiente religioso. As palavras são usadas de maneira impessoal para mera informação e definição, afastando cada vez mais a todos do teor pessoal do texto bíblico.

No entanto, ao lermos o Evangelho de João, nos deparamos inúmeras vezes com um recurso que contrapõe completamente com esta mentalidade: a metáfora. No decorrer do livro, Jesus afirma ser “o pão da vida” (João 6:35), “a luz do mundo” (João 8:12), “a porta” (João 10:9), “o caminho” (João 14:6), “a videira”(João 15:1), dentre outras coisas.

Curioso é que apresentar Jesus como pão, luz, porta, caminho ou videira, não causa confusão em nossa mente. Apesar de uma videira implicar em terrenos, proporções, tipos de galhos, tipos de folhas, etc, sabemos que, aqui, o uso da palavra é metafórico. Ela é e não é o que designa.

A metáfora funciona como um convite. Um convite para imaginar a relação entre o visível e o invisível. Percebemos que existe mais do que podemos ver, ouvir, tocar, ou provar. Ainda assim, os dois aspectos, visível e invisível, são indivisíveis. Afinal, em uma única palavra a metáfora transmite a integralidade entre o que se vê e o que se não vê, entre o céu e a terra. Ela é uma tensão entre o que a palavra denota e o que ela conota. Por meio da metáfora, a palavra, levando o leitor/ouvinte como acompanhante, é lançada a outro domínio de significados singulares. Normalmente vemos a palavra tendo a utilidade de um rótulo. No entanto, quando usada como metáfora, a palavra irrompe, ganha vida. Não consigo mais entender a palavra consultando-a num léxico, pois ela já não é ela mesma. Está viva, em movimento, e convidando-me a participar do significado.

Contudo, além de ser uma testemunha lexical da transcendência, a metáfora faz de mim um participante tanto no ato de criar significado como no de entrar na ação da palavra. Quando os escritores bíblicos usam de metáforas, nos envolvemos com DEUS, muitas vezes sem o saber ou até sem o desejar.

Porque Jesus usava metáforas? Porque a Bíblia possui tantas metáforas?

Porque a metáfora não é algo preciso. Se o interesse de Jesus fosse a precisão Ele certamente não sairia por aí dizendo coisas como: “Eu sou a videira; vocês são os ramos (João 15:5). A metáfora exige participação. E isto a torna completamente pessoal.

Quando Jesus diz: “Eu sou a luz” (João 8:12), nossa imaginação começa a funcionar. Forma-se um quadro em nossa mente, as associações vêm à tona, e tudo ganha vida. A metáfora enraíza em nossa consciência e começa a contar uma história que nos envolve. Desta forma se torna difícil continuarmos como meros espectadores, gelidamente assistindo à ação. A metáfora nos leva a uma participação.

Muitos, em seu compromisso por manter a verdade exata e se manter separados do “mundo”, usam uma linguagem impessoal e controlada. Jesus –não menos comprometido com a verdade e não menos preocupado com os perigos que nos assaltam– usou uma linguagem intensamente pessoal, relacional e participativa.

Ele usou de metáforas que nos importunam para percebermos que estamos envolvidos numa trama inteiramente pessoal que nos envolve na ação.

Assim, o melhor Caminho para escolher palavras, é a Palavra.