#61

No livro de Jeremias, logo após uma sequência de profecias contra a casa real de Judá (Jeremias 22), nos deparamos com um oráculo de julgamento sobre os líderes de Israel.

Nos quatro primeiros versículos do capítulo 23, lemos: “Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto! – diz o SENHOR. Portanto, assim diz o SENHOR, o DEUS de Israel, contra os pastores que apascentam meu povo: Vós dispersastes minhas ovelhas, e as afugentastes, e delas não cuidastes; mas eu cuidarei em vos castigar a maldade das vossas ações, diz o SENHOR. Eu mesmo recolherei o restante das minhas ovelhas, de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; serão fecundas e se multiplicarão. Levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e elas jamais temerão, nem se espantarão; nem uma delas faltará, diz o SENHOR.”

A situação era crítica em Israel. Com a possibilidade de um exílio à porta, a população estava alvoroçada. Os governantes, mais preocupados em cumprir com seus programas e metas, não davam atenção às reais necessidades do povo. Egoísmo e perversidade permeavam a liderança da época. Todos os projetos, que segundo os líderes, serviriam para beneficiar àqueles sob sua tutela, mais escravizavam do que auxiliavam. Afinal: não davam qualquer autonomia ao povo; não atentavam para o que lhes era imprescindível.

Esta dura mensagem trazida aos responsáveis por guiar o povo possui detalhes curiosos. Por exemplo, há um jogo com o verbo פּקד (paqad – “visitar”; “numerar”; “punir”)  no verso 2. Aos pastores que não cuidaram (peqadtem – פְקַדְתֶּ֖ם) das ovelhas de DEUS, ELE cuidaria (poqed – פֹקֵ֧ד) em castigar a maldade de suas ações (verso 2). Outro exemplo são as últimas palavras do verso 3 “serão fecundas e se multiplicarão” (ufaru veravu – וּפָר֥וּ וְרָבֽוּ), que remetem à terminologia da criação em Gênesis. Além de apontar para a benção/ordem às criaturas do mar e aves (Gn1:22), estas palavras apontavam para a benção/ordem à humanidade (Gn 1:28). Em certo sentido, esta promessa marca um novo início, uma nova perspectiva.

Como parte desta esperança de uma nova perspectiva, no lugar dos pastores que destruíram e dispersaram o rebanho de YHWH, no verso 4 é dito que ELE levantaria pastores que apascentassem suas ovelhas (ro‘im vera‘um – רֹעִ֖ים וְרָע֑וּם). No entanto, de acordo com o texto, antes de levantar pastores (líderes/reis) que cuidem do SEU rebanho, ELE mesmo aparece executando as ações deste Bom Pastor recolhendo e fazendo voltar as ovelhas do rebanho (v.3).

Para alguns, o primeiro bloco de Jeremias 23 não termina no verso 4, mas vai até o verso 6, relacionando, assim, a promessa de verdadeiros pastores à profecia do Renovo. Este Renovo seria um rei justo que reinaria executando juízo na terra. Uma figura fortemente messiânica como aparece em outros textos proféticos (Isaías 11:1; Zacarias 3:8; 6:12).

Em Jo 10:11, o Messias, Jesus, diz: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas”. E em seguida, ele ainda afirma (verso 16): “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então haverá um rebanho e um pastor”. Este mesmo Pastor, é Aquele que, em Lucas 15, vai atrás de uma única ovelha para que nenhuma esteja fora do SEU rebanho.

E é justamente esta a ideia final de Jeremias 23:4. Neste versículo, alguns enxergam o verbo פּקד inserido em uma atmosfera negativa da mesma forma que aparece no verso 2 ao dizer que YHWH “visitaria  em julgamento os maus pastores. No entanto, tanto por conta da partícula לֹ֥א (lo’ – “não”) como pelo verbo aparecer no Nifal, tal associação não parece correta.  A ideia de “falta”, “ausência”, parece ser a mais propícia. Neste caso o final do versículo traria o sentido de que nenhuma ovelha do rebanho faltaria (“nenhuma delas faltará” [velo’ ipaqedu – וְלֹ֥א יִפָּקֵ֖דוּ]). No texto de Jeremias, ELE reúne o rebanho e em seguida levanta novos pastores.

Na Bíblia, o povo de DEUS aparece metaforizado como as ovelhas do Bom Pastor. Contudo, ao mesmo tempo, no fim do livro de João (João 21:15-17), ao Pedro reencontrar o Mestre que há poucos dias ele havia negado, é feita a pergunta: “Tu me amas?”. E logo após a resposta do discípulo, é dito: “Apascenta minhas ovelhas”.

Da mesma forma que somos ovelhas do Bom Pastor, se quisermos cumprir verdadeiramente com nossa função devemos buscar pastorear nosso próximo tendo como exemplo este mesmo Bom Pastor.

Este Pastor não dispersa suas ovelhas, pelo contrário, dá sua vida por elas.