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“Tudo o que uma vez era diretamente vivido tornou-se uma mera representação.” Debord

A história é conhecida. Moisés abandona o Egito após os egípcios descobrirem que ele matou um egípcio. Seu exílio físico e existencial o leva até a terra de Midiã onde ele é, ironicamente, reconhecido como um egípcio (Êxodo 2:19). Ali Moisés permanece, cria raízes, e sem o leitor ser informado quanto tempo passou, Moisés se encontra só.

O começo do terceiro capítulo do livro de Êxodo introduz uma ênfase na palavra “ver” (ra’ah). Até o verso 6 o verbo ocorre cinco vezes. Três das cinco vezes a palavra “ver” é usada diretamente por Moisés. Moisés vê “uma sarça queimando com fogo” (3:3); Moisés vê “uma grande visão” (3:3); DEUS vê que “Moisés se virou para ver” (3:4).

Moisés vê, vê, vê.

Finalmente, quando Moisés percebe que sua análise fenomenológica da sarça ardente não era como ele havia presumido, isto é, a sarça não era apenas uma “grande visão” ou um espetáculo particular sem significado, o texto diz: “Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para DEUS” (Êxodo 3:6). A palavra “olhar” (nabat), é diferente da palavra “ver” (ra’ah). A palavra “olhar” carrega a conotação de observação, de olhar com cuidado, de contemplar (Gen 15:5; 19:17, 26; Ex 33:8; Num 12:8; 21:9; 23:2; etc).

Aquele que vê, vê, vê… teme olhar.

Moisés aparentemente teme aquilo a que já aludimos em posts anteriores com uma citação de Buber. Moisés teme “a crucialidade do momento” em que Revelação acontece. Para uma sociedade imersa no espetáculo, dependente de “grandes visões,” de sarças que queimam sem significado ou revelação, este texto é oportuno.

Como Moisés vendo “grandes visões” queremos, em nossa solidão, nos deparar com isto e nada mais. Uma vez que somos confrontados com a simplicidade do Revelador, com o chamado para as sandálias serem retiradas, travamos. Queremos programações, shows, eventos religiosos para que possamos manter o conforto de ver, ver, ver… sem o desafio de olhar. Pois na hora de olhar, de observar, de ouvir àquEle que fala através da pequenez da sarça, da simplicidade das Escrituras, nos escondemos.

Queremos grandes visões, não Revelação. O desafio aqui é grande, pois se fecharmos as cortinas, se desfizermos o palco e o cenário, se abandonarmos nossos personagens no grande teatro da religiosidade superficial, o que irá restar?

O Moisés que inicialmente temia olhar… aprendeu a falar com DEUS “face a face, como qualquer fala com seu amigo” (Êxodo 33:11). Entre o que era e o que se tornou existe um deserto que, como Moisés, todos precisamos trilhar; mas primeiramente precisamos tirar as sandalhas diante da simplicidade das Escrituras e desfazer nossa dependência de espetáculos, de “grandes visões,” e de tudo aquilo que nos mantém inertes em Midiã.