A segunda metade do Salmo 1 continua desenvolvendo a oposição que se iniciou no primeiro verso do poema. Agora, no verso 4, O salmista vai descrever os perversos. Curioso que esses perversos, no plural mesmo, aparecem indefinidos no verso 1, mas agora, no verso 4, estão com artigo (no hebraico), ou seja, definidos.
A descrição destes perversos, no entanto, não segue à mesma linha da descrição do homem feliz. Não há descrição nem negativa e nem positiva. Os perversos são apresentados diretamente através da metáfora.
Ora, se o homem feliz era descrito como uma árvore, com folhas sempre e frutos no tempo certo, os perversos são descritos, em clara oposição, como palha. Aqui é importante lembrar do aspecto do movimento. Como em tudo no Salmo 1, há oposição: se a árvore está parada, a palha está espalhada. O poeta parece querer acentuar a total discrepância entre o homem feliz e os perversos.
Esta metáfora da palha é comum na Bíblia Hebraica para descrever os opositores de DEUS e perversos. Ela aparece em Jó 21:18; Salmo 35:5; Oséias 13:3; Isaías 17:13, por exemplo. Contudo, como na metáfora da árvore, a metáfora da palha não parece indicar o destino dos perversos, mas sua essência, sua natureza. Não há possibilidade de sombra e fruto vindos da palha. A palha é seca e sem vida.
O estilo de vida dos perversos é um fim em si mesmo. Já o homem feliz busca o serviço, busca ser a sombra e dar o fruto no tempo certo. Meir Weiss aponta um aspecto muito importante que indica isto e está na construção do salmo: DEUS e o homem feliz são sujeitos de verbos transitivos, mas os perversos não o são em nenhum momento.
O verso 5 retoma o assunto do verso 1, repetindo, inclusive, pela terceira vez ‘perversos’ e, pela segunda ‘pecadores’, mas deixando ‘escarnecedores’ de lado. Agora a oposição se dá em nível legal. Os perversos não serão absolvidos no juízo. E os pecadores não estarão na congregação dos justos.
Esta retomada do verso 1 também carrega uma curiosidade. No final do verso 1, os perversos (escarnecedores) estão assentados. No verso 5 eles não se levantam. Ou seja, não há como levantar de onde eles estão assentados.
A conclusão do Salmo 1 é construída em uma oposição simples, de paralelismo sintático: há o caminho dos justos e há o caminho dos perversos. A expressão “caminho dos justos” , no entanto, é objeto direto do verbo transitivo “conhecer” (ידע), cujo sujeito é DEUS. Já “caminho dos perversos” é o sujeito do verbo intransitivo “perecer” (אבד).
A sentença final torna os justos objetos do conhecimento divino, denotando íntimo relacionamento entre ambos: homem feliz e DEUS. Já os perversos são sujeito do seu próprio fim, responsáveis por sua morte.
Uma última coisa precisa ser realçada. O Salmo começa falando do homem feliz, no singular, mas termina falando de justos, no plural. A mudança é sutil e está diretamente relacionada com a metáfora da árvore: o justo produz frutos!
O conhecido de DEUS não vive para si. Seu caminho é objeto direto da ação de DEUS para os outros.