Durante muito tempo, principalmente no período da minha adolescência, fui constantemente abatido por questões que, mesmo na fase adulta, me perseguiram e tiraram o meu sono. Dentre elas, a que mais me incomodava, dizia respeito à onisciência de DEUS. Digo isto, porque na igreja e, que cresci, muito embora tivesse sido ensinado de que eu era livre para tomar decisões, a mesma igreja, em momentos de alegria ou em momentos de extrema dor, reiteradamente aplicava o jargão “DEUS sabe de todas as coisas”.
Ora, inevitavelmente a pergunta que pairaria em minha mente –e que com toda certeza paira na mente de muitas pessoas– era: como pode o homem ser livre se DEUS sabe todas as decisões que hei de tomar? Afinal de contas, sou eu “livre para arbitrar” meu futuro, ou predestinado a uma escolha que, embora eu tenha a vã ilusão que eu a controle, na verdade, já estava escrita na minha história antes mesmo de eu nascer?
O tempo passou, me tornei um adulto “ajustado”, mas a pergunta permanece como uma nuvem no “céu azul de minhas convicções” (hoje, no entanto, com outras matizes): se DEUS controla a minha história –seja eu bom ou mau– controla também a história social, pois não há a mínima possibilidade de desvincular o indivíduo do meio social no qual se encontra inserido e ao qual se encontra atrelado. E se controla a história da humanidade, como não classificá-lo como um sádico maniqueísta?
É claro que debaixo do chapéu doutrinário cristão ao qual me insiro, fica fácil deduzir que eu creio em um Deus que é essencialmente Amor e por conta disso nos confere total liberdade de escolha, mas ainda assim preciso confessar que a questão é profunda e não pode –e nem será– resolvida em um texto simplista como este. Entretanto, com a profundidade e relevância esperadas em seu momento histórico, Erich Fromm nos deixa uma importante contribuição. Interpretando a Bíblia com uma boa dose de historicidade e adequando cada conto em seu devido contexto social, o autor assenta que as Escrituras –mais especificamente o Antigo Testamento– ao mesmo tempo em que não revelam um DEUS manipulador, também não revelam um DEUS que se submete ao mero papel de “espectador passivo do destino humano”. Para Fromm, o DEUS da Bíblia “participa” da história humana –e isto é absolutamente diferente de manipular ou meramente assistir– se valendo da peculiar figura do profeta. Embora o autor ressalte algumas funções do profeta, a que mais se encaixa ao que aqui proponho como reflexão é de “anunciar aos homens que há um Deus e que este Deus se revelou a eles na história de seus antepassados”.
Curiosamente, a participação deste DEUS na história da humanidade se encontra atrelada também à participação de um homem na vida social e política de um povo. Mais curiosamente ainda –e porque não dizer absurdamente– este mesmo DEUS, segundo o apóstolo Paulo, corporifica a plenitude de sua divindade no Messias (Colossenses 2:9), que, diga-se de passagem, “naturalmente” nasce e morre homem.
Hoje entendo que o DEUS da Bíblia jamais poderá ser discernido pelos que se consideram “livres para arbitrar” ou “condicionados a um trágico ou glorioso fim”, pois a decisão dEle, ultrapassando qualquer capacidade humana de pacificação para tais questões, foi humanamente tornar-se um ponto de intercessão na história, participante de nossa condição, escolha e esperança.
NEle estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)