Volto a pergunta, embora saiba que inúmeras podem ser as respostas: O que é a terceira margem do rio? Qual é a terceira margem do rio?
O rio tem suas fronteiras: as que ele cria (as duas margens) e as que lhe são dadas (e estão além dele). O rio acontece entre margens. Uma terceira margem estaria entre.
No primeiro texto da série, falamos sobre como é o rio que define as margens. Partindo disto, é fácil entender que as margens são estáticas enquanto o rio se move. A terceira margem, portanto, não pode passar de mais um elemento estático dentro do movimento do rio.
O barco do pai, parado no meio do rio, sem avançar ou retroceder, é paralelo às duas margens, também estáticas, também estático.
“Nada de novo debaixo do sol”, dizia Salomão. A terceira margem também é margem. Não é rio. Portanto será definida pelo rio, como as duas outras. As margens são reféns da existência de constante movimento. As margens são reféns do rio, mas o rio vai além das margens. “Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche: embora chegando ao fim do seu percurso, os rios continuam a correr.”(Ecclesiastes 1:7).
A vida é assim. Tentamos colocar margens à existência. Linhas aqui. Linhas ali. Mas a vida é maior do que os limites que tentamos impor. É a vida, a existência, que define as margens e não o contrário.
Lembro de uma história muito interessante na Bíblia, relatada em Números, capítulos 26 e 27. Ali DEUS fornece a lei acerca da distribuição da terra aos herdeiros das tribos de Israel quando entrassem em Canaã (Números 26:52-56). Logo em seguida algumas mulheres questionam Moisés sobre a lei de distribuição, já que seu pai, Zelofeade, havia morrido sem deixar herdeiros homens. Moisés leva o caso a DEUS e ELE lhe responde: “As filhas de Zelofeade falam o que é justo; certamente, lhes darás possessão de herança” (Números 27:1-11). Ou seja: a vida, a existência, é que define as margens.
Na busca por viver o que penso estar escrito, percebo, através do que realmente está escrito, que existe algo além do escrito. Não superior. Dependente e entrelaçado. E ao viver o que transcende, não mais ouço, mas vejo. Nossas tentativas de criar margens que aprisionem a vida serão sempre confrontadas pela própria vida. Como no texto bíblico, há sempre maleabilidade, porque a existência é um constante movimento. E poderíamos citar diversos momentos assim na narrativa bíblica.
Falar de terceira margem é falar de algo estático, imóvel, como as duas outras margens. Mas, ao mesmo tempo, a terceira margem está além do concreto no texto. É a loucura. É sacrificar o filho da promessa. É casar-se com uma mulher de prostituições. É o que não tem explicação.
A terceira margem é a busca por questionar/aceitar a ordem, como o barco que, deveria se mover, mas não se move. Como as tensões todas dentro do conto/da vida que não se solucionam.
Falar da terceira margem é falar de algo que vai além das margens, não por ser diferente, mas por abraçar a sua limitação e, por isso, estar disposto a ir além dela.
A tensão eclesiástica é a tensão da terceira margem do rio: nada é novo, tudo é vaidade. Ainda assim, comer, beber e aproveitar o fruto do trabalho é dom de DEUS e deve ser vivido na plenitude da existência.