Um dia destes me peguei assistindo a um filme que romantizava a –até hoje controversa– identidade de Shakespeare. O filme não era particularmente bom (muito embora qualquer coisa que contenha trechos de textos assinados por Shakespeare dificilmente seja ruim), mas uma frase da personagem principal me chamou à atenção: “toda arte é política.”
O conceito não é novo. Mas a simplicidade e o poder desta afirmação (especialmente em seu contexto), ao menos para mim, foram de tirar o fôlego. Até mesmo porque esta frase não se aplica apenas à arte (até porque não há um consenso a respeito do que “arte” seja).
É evidente que eu não compreendi a palavra “política”, neste contexto, como alusão à partidária, mas no sentido de apoiar ou contestar as relações de poder estabelecidas. Explicando melhor: quem faz humor têm de escolher (de preferência conscientemente) se ele a) quer se juntar aos dominantes e induzir o riso às custas das minorias e dos excluídos; b) se ele quer fazer seu público rir à custa dos dominantes ou “dominadores”; ou c) se ele quer levar as pessoas a rirem de si mesmas.
Evidente, também, é que quem exerce o papel de dominante/opressor e/ou minoria/excluído depende do contexto. O estereótipo do evangélico num grupo de homossexuais estereotipados é tão risível quanto, talvez, o estereótipo do homossexual entre evangélicos estereotipados. E quando um grupo se ri do outro, é fácil esquecer que há ainda um terceiro grupo que, fugindo dos estereótipos, pertence aos dois.
Em suma: um testemunho religioso em que tudo no “mundo” era “mau” e tudo na igreja é “bom”, além de inverossímil e ingênuo, beira um desserviço e apenas reforça o status quo.