Como, então, viveremos? Esta é a pergunta que permanece, após a leitura do conto de Guimarães Rosa.
A pergunta é formulada no plural –pois se aplica a todo ser humano– mas só pode ser respondida no singular. Ao ler as descrições e nuances de cada personagem na história, é possível notar tendências, ações e reações, respostas a esta mesma elusiva pergunta.
O pai, por exemplo, era homem cumpridor, ordeiro, positivo e quieto. Imprevisível. Encomenda a canoa e se vai para a margem entre o perto e o longe. A mãe, era quem regia, chorava, temia, e ela também se vai para outro lugar entre o aqui e lá (uma tendência aparentemente recorrente da família). O filho é quem narra os eventos. Do começo até o fim do conto ele mesmo não entende as ações do pai ou o significado da história. E até ele se vai para longe.
O rio, por sua vez, era largo, fundo, silencioso e repleto de possibilidades. E é o rio que abre diante das personagens (e de nós leitores) a questão: como, então, viveremos? Se existe algo que é pré-determinado na experiência humana –além de nossa inabilidade de sequer escolher nascer– esta pergunta é uma delas. Ela está lá, aqui, nos esperando. Responder ou não responder é, em si mesmo, resposta.
A pergunta é a ponte entre o conto e a realidade do leitor. Assim, eu, diante do rio da existência humana e suas inúmeras margens, precipitadamente me vejo como o menino no início da história: confuso, esperançoso. Eu sou o filho que ao escutar o som da canoa batendo na margem rasa do rio indaga sem pensar e quase de imediato: “pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Eu olho para o rio, para a canoa, eu olho para o pai e rogo para que ele me tire a responsabilidade de escolher, de pensar, de errar, de sentir, de doer. Imploro para que ele me leve na sua própria decisão diante da questão que o rio levanta. Pois vai que, ao ele me levar na embarcação de sua resposta, o peso da minha responsabilidade diante da questão seja parcialmente aliviado.
É mais fácil viver a vida na resposta de outros diante desta questão do que enfrentar o risco da minha própria resposta. Mas nem desta possibilidade estou certo. A lógica vai até a margem, apenas.
Eu, como leitor e escritor, temo esperar até o fim da minha existência para escolher. Em busca de significado e –como Kierkegaard– de uma idéia pela qual viveria e morreria, temo aguardar até os últimos capítulos da vida para somente então decidir “ir” em busca da terceira margem –como o menino do conto já homem– só para depois me ver fugindo da minha própria decisão. Decisão que, no começo ou no fim, na juventude ou na velhice, é e sempre será precipitada.
Hoje me interesso menos por idéias abstratas, lógica, pela fé num positivismo desconectado da vida, e mais pela realidade. Mas até isto pode mudar. A vida ocorre diante da pergunta silenciosa do rio e é minha decisão que determina seus limites. E nem o rio, nem o tempo, nem a própria vida podem oferecer respostas claras à pergunta. O que temos diante de nós é a pergunta do rio, o risco da resposta, a possibilidade de uma terceira margem.
Como, então, viveremos?
Tiago Arrais