Uma indagação que o conto de João Guimarães Rosa desperta é a de como lidar com a aflição do que não possui limites definidos.
A experiência de lidar com o “entre”.
Como falar da saída de alguém que não foi a lugar nenhum? Ou entender o que nunca foi explicado? Estas são perguntas que permeavam a mente de todos da família do homem cumpridor, ordeiro e positivo que decide seguir com sua canoa para o meio do rio. Ele não explica para onde ia, afinal não ia a lugar nenhum. Como o filho mesmo diz: “Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte”. O pai nunca partiu, ele sempre esteve ali. O problema é que mesmo estando ali, ele não estava ali.
A inquietação da presença do pai ausente dita a rotina de toda a família, que, sempre pensava nele. E esta situação incômoda e indefinida nunca se resolvia: “Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, porque, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse.”
Um a um, todos vão desistindo de tentar encontrar respostas para aquela situação. O padre, a irmã, o irmão, e mesmo a mãe vão embora sem nenhum êxito. Quase todos abdicam daquela circunstância. Menos um, o filho.
Depois de buscar os porquês de tal feito através de histórias que constavam que seu pai havia “revelado a explicação ao homem” que aprontara a canoa, o filho decide “sem fazer véspera” sua última cartada. Questionando sua própria sanidade, condição atribuída ao pai quando decidiu sair com a canoa pelo rio, chega à margem do rio e grita ao seu pai que voltasse, pois ele tomaria seu lugar na canoa. Diferente de tudo que havia feito antes, nesse momento, seu “coração bateu no compasso do mais certo”. No entanto, ao ver que o pai correspondia ao que ele dizia, teve pavor… fugiu, correu, se tirou de lá…
Buscar o porquê do pai estar ali, talvez não fosse a melhor solução. O filho teria que experimentar o que o pai vivia. E foi isso o que quase fez.
No conto, não há resposta definida para o que é a terceira margem do rio. Da mesma forma, nunca haverá uma explicação do porquê o pai ter feito o que fez. Todavia, o que sabemos é que tal qual o pai, sempre quieto, o rio era “calado que sempre”. Da mesma forma que a ligação entre o pai e o rio era muitíssimo forte, a terceira margem do rio não pode ser pensada fora desta relação. O que o pai buscava estava muito além de uma mera excursão pelo rio. O objetivo transcendia o tangível, o visível, e até mesmo o lógico.
Ao buscar pelo que se sabe da existência, mas não pode ser tocado, experimento algo novo, além das margens pré-definidas e visíveis. E assim, ao experimentar, também me torno essa nova margem, que não há como ser definida, mas só experimentada. O que é a terceira margem? O que define a terceira margem? Sempre haverá esta pergunta sem resposta, para que sempre exista a terceira margem do rio.
lucas iglesias