“Porventura, Jó debalde teme a DEUS?”
Jó 1:9
Muito do livro de Jó pode ser compreendido já no seu prólogo (1:1- 2:13). Logo de cara, no primeiro versículo, somos confrontados com a figura de um homem completamente singular. “O maior de todos do Oriente” (1:3) não era somente um homem muito rico e poderoso, mas também se preocupava com o relacionamento de cada um de seus filhos com DEUS (1:5).
No entanto, no versículo 6, o livro muda a perspectiva e o leitor é levado a uma dimensão completamente diferente, divina. Os filhos de DEUS vêm se apresentar perante o SENHOR e Satanás também vem entre eles. DEUS é quem começa tudo (v.7). Todos sabem quem é Satanás. Assim, ao lhe fazer uma pergunta, DEUS chama o à atenção de todos, provocando o inimigo. A aparição de Satanás tinha o propósito de mostrar a todos que a terra era reino dele. Ele merecia estar lá; esta era a mensagem. Mas o que acontece na seqüência é o cerne do livro. DEUS coloca Jó em cena mostrando uma aparente contradição no discurso de Satanás. Na tua terra eu tenho MEU servo, diz DEUS. Jó é a antítese contra que Satanás se rebelava e pregava. A contradição de tudo que ele diz.
No versículo 9, Satanás faz uma pergunta que atravessa todo o livro: “Porventura, Jó debalde teme a DEUS?”. Esta é uma pergunta-chave, pois demonstra a dúvida de que Jó fosse fiel por nada (הנם hinam – de graça/gratuitamente/debalde).
“Por acaso não foi você que o cercou?” é o que Satanás pergunta no v.10. “Ao invés da antítese, Jó é a comprovação da minha teoria! VOCÊ o protege.” O SENHOR suborna os SEUS servos, comprando sua fidelidade. Não é de graça! Só há interesse/barganha.
No entanto, nos versículos 20-22 a primeira reação de Jó já aponta como será sua atitude: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!”. Jó serve por servir. E este é o tema que permeia o livro: a “graça”; só que da perspectiva do homem para com DEUS.
O livro não tem nada que ver com a questão do porquê do sofrimento. O principal ponto do livro de Jó é a graça. O porquê do sofrimento só é levantado nos ciclos de diálogos (3:1 – 42:6) e ao lê-los, vemos que são os amigos de Jó que respondem o porquê do sofrimento. No final do livro, DEUS diz que o que os amigos disseram de nada vale. Desde o início do livro todos nós sabemos porque Jó sofre. Já no prólogo do livro, ao colocar o leitor numa perspectiva divina, nós sabemos porque Jó sofre, mas nenhum dos amigos acerta a razão. Jó em nenhum momento se pergunta por que está sofrendo; são seus amigos que porpõem esta questão. E Jó questiona cada uma de suas propostas. Os amigos o acusam. Possivelmente o nome Jó (איּוֹב – ʼiyyob) seja uma variação de ’oyeb “o inimigo”. Pessoa da qual todos são inimigos. Inclusive DEUS, segundo seus amigos.
Tudo isto que acontece na história de Jó é desconfortante. Quebra as expectativas de segurança e estabilidade que temos. Tão desconfortante que o leitor tenta achar uma justificativa, uma razão, para todo o sofrimento. Mas, ao procedermos desta maneira, entramos no nível dos amigos de Jó. Tentando defender/justificar a DEUS, procuramos razões para o sofrimento.
Nós aceitamos a graça de DEUS. Mas eu servir de graça? Ah… Isto é complicado.
A prova é quando sofro de graça. A prova é quando eu sou fiel de graça.
A experiência de Jó é singular porque ele era um homem singular (2:3). Pode ser que nunca experimentemos nem um terço do que ele experimentou. No entanto, a pergunta continua no ar para cada um de nós: Será que ele TE serve de graça?