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A lepra ocupa um lugar muito interessante no corpus bíblico. Há uma extensa regulamentação sobre ela no livro de Levíticos (capítulos 13 e 14). A própria palavra “lepra” não representa a tradução exata do que é o fenômeno bíblico. A ligação mental que fazemos é com o que conhecemos por lepra nos dias atuais e que, claramente pelo texto, não se aplica à doença apresentada na Bíblia.

A palavra para lepra (צרעת – tsarat) tem algumas possíveis origens etimológicas. Se a raiz for acádica o significado se restringe apenas a uma doença de pele, mesmo. Mas se a raiz for arábica, ela possui relação com algo como “ser trazido ao chão” ou “ser jogado para baixo”.

Na Bíblia Hebraica (BH) encontramos apenas seis casos de lepra em cinco textos: Êxodo 4:6-7; Números 12:10-15; 2 Reis 5; 2 Reis 7 (já mencionado no texto #14 daqui) e 15:1-7. No primeiro deles, ao enviar Moisés, DEUS ensina a ele alguns “truques”; entre eles, o de ficar leproso (ele fica com a mão leprosa para logo em seguida ficar curado). Em Números, Mirian e Arão conspiram contra Moisés e sua mulher cuxita; DEUS os chama para o santuário, fala com eles e retira-se, mas Mirian fica leprosa. Arão acaba tendo que contar o ocorrido a Moisés e este, por sua vez, intercede pela irmã diante de DEUS. Ela fica leprosa por sete dias até ser integrada novamente ao arraial de Israel. Em 2 Reis 5 temos dois casos: Naamã e Geazi. Naamã é o primeiro e único gentio que aparece leproso na Bíblia Hebraica. Ele é comandante do exército sírio e tinha uma menina israelita cativa trabalhando em sua casa. É esta serva quem indica a Naamã o profeta Eliseu como a chance de sua cura. No decorrer da história, após ser curado mergulhando sete vezes no rio Jordão, é a vez do outro personagem, Geazi, servo do profeta Eliseu (por sua mesquinharia e mentira ao aceitar os presentes do comandante e esconder este fato de Eliseu), ficar leproso. 2 Reis 7 fala de quatro leprosos que acabam por “derrotar” o exército sírio. Por fim, 2 Reis 15:1-7 fala do rei Azarias que fica leproso, por não derrubar os ídolos e cessar sua adoração, segundo o texto parece indicar.

Em todos estes casos encontramos dois aspectos importantes: 1) em todos os casos em que há menção da origem da lepra, DEUS é a causa da doença (Moisés, Mirian, Geazi e Azarias; apenas Naamã e os quatro leprosos de 2 Reis 7 não têm a causa de sua lepra relatada); 2) em todos os casos em que há menção de cura da lepra, DEUS é a causa da cura (Moisés, Mirian, Naamã – Geazi, os quatro leprosos de 2 Reis 7 e Azarias não ficam curados em momento algum). Estes dois aspectos nos ajudam a entender melhor as leis levíticas em relação a esta esquisita doença.

Levíticos 13-14 acaba por ser um grande manual sobre diversas ocorrências de problemas de pele e o sacerdote, munido de tal documento, teria condições de estabelecer se a manifestação cutânea em questão seria lepra ou não e, assim, declarar o indivíduo limpo ou imundo. A própria sentença da lepra era dada por meio de uma série de idas ao sacerdote e, dependendo do caso, poderia demorar até 21 dias! Outro fator interessante é que a lepra poderia estar na roupa (Levíticos 13:45-59) e até na casa (Levíticos 14:33-53); mas em nenhum momento há uma declaração de que o afastamento do leproso se dava por perigo de contágio (diversos estudiosos afirmam que ela não era, mesmo, contagiosa). Ao mesmo tempo, a lepra do leproso se espalha por seu próprio corpo, suas roupas e sua casa. Por fim, o sacerdote era o avaliador da doença e não apenas decidia quando o indivíduo era leproso, mas quando estava curado também, além de, claro, dirigir o ritual de purificação.

A conclusão clara destes textos da Bíblia Hebraica é significativa: a causa e a cura da lepra são a mesma – DEUS! Portanto, a lepra era mais do que uma doença de pele. Era o resultado do pecado e da desobediência do indivíduo em relação a DEUS. ELE dava a doença. ELE curava a doença. A doença da lepra era, portanto, de cunho espiritual.

O que chama à atenção –entre tantas coisas que chamam à atenção em Levíticos 13-14– é a função do sacerdote purificador (הכּהן המּטהר – kohen hametaher, Levíticos 14:11), responsável por purificar o leproso que havia sido declarado imundo. Embora não tenhamos o relato de alguém exercendo essa função na BH, no Novo Testamento, Jesus, o Messias, não apenas cura leprosos, mas os purifica e os declara limpos (Matheus 8:1-4 e seus paralelos em Marcos e Lucas; Lucas 17:11-19) e, quando envia um recado a João, o Batista, confirmando Sua messianidade, declara, entre outras coisas: “os leprosos são purificados” (Matheus 11:5). Neste texto, em meio a um grupo de ações messiânicas de restauração profetizadas por Isaías (29:18-19; 35:5-6; 61:1), Jesus inclui a purificação de leprosos. Ele assume a função de sacerdote purificador.