#28

“José ao primogênito chamou de Manassés, pois disse: DEUS me fez esquecer de todos os meus trabalhos e de toda a casa de meu pai.”

Gênesis 41:51

Ao ler a história de José, uma pergunta me vem à mente: Porque José não tenta retomar o contato com a família depois de se tornar um grande homem no Egito?

O autor de Gênesis nos dá uma dica ao falar o significado do nome de um dos filhos de José, Manassés (Gênesis 41:51). O nome Manassés está ligado com “fazer esquecer” (1). Esse nome é um lembrete para que José “realmente esqueça” (2) tanto seus dias de escravidão, como a casa do pai. Depois de se tornar um dos principais do Egito, José poderia: a) ter enviado emissários a Canaã; b) ter enviado espias para analisar a situação do pai; c) ter enviado uma cavalaria do exército para se vingar dos irmãos; ou até d) ter aparecido em Canaã com todas as glórias reais. Mas, José quer “esquecer […] de toda casa”.

O nome que fala sobre “esquecer” testifica algo sobre a memória, ou melhor, a inabilidade de esquecer. José não consegue apagar de sua mente “toda a casa do pai”. Possivelmente, ele não só gostaria de esquecer todo o constrangimento com os irmãos, mas também do fato de que seu pai nunca foi atrás dele. Ele esperava que o pai fosse resgatá-lo. Não era ele tão importante para o pai? Talvez nunca lhe passou pela cabeça que os irmãos tivessem inventado sua morte.

E é justamente com eles que José se encontra de novo. DEUS trata de uni-los outra vez. Os encontros com os irmãos escancaram o que realmente se passava com José. Ele realmente não havia esquecido de nada. Isto fica nítido nas suas reações com eles (41:24; 45:1-3). Nestes encontros, José testa os irmãos. Será que eles mudaram? Será que se esqueceram de tudo? Aquilo deixou alguma marca neles? No segundo encontro, José até cria uma situação onde os irmãos se vêem forçados a deixar um deles para trás. Situação que ecoa o dia terrível em que o deixaram para trás.

Mas, os testes com os irmãos, na verdade, também eram testes para ele mesmo. Será que perdoei?

Em Gênesis 45:1-3 vemos novamente José totalmente despido. Diferente de quando os irmãos o despem, agora ele se despe sozinho. Afinal, perdão é vulnerabilidade.

Em seu livro Perdoar e Pecar: Deus e o homem na história, Leandro Karnal afirma: “A dureza moral nasce do orgulho. Quando não perdôo, estou dizendo que, em primeiro lugar, minha ofensa é mais importante que tudo. Ao me ofender, ao me agredir, ao me trair, você atingiu meu eu. Há uma imensa vaidade moral nisso: eu sempre fui fiel, nunca traí, logo não sou capaz de perdoar sua traição. Em síntese: ao não perdoar sua falta, exerço a minha. Há uma exaltação da minha virtude ao condenar sua falta”.

Perdoar é igualar-se.

(1) Wenham, G. J. (1998). Genesis 16–50 (Vol. 2, p. 397–398).

(2) נשׁה, usado nesse lugar, denota uma intensidade maior do que o usual שׁכח “esquecer”; cf. Jó 39:17; Is 44:21; Lm 3:17.