“Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Espírito.” Números 11:29
Uma das funções básicas que caracterizam o profeta bíblico é a de mensageiro de DEUS. O profeta, basicamente, funciona como instrumento (Hebreus 1:1-2). De acordo com Êxodo 4:16, em referência a Arão, é dito a Moisés: “Ele te será por boca, e tu lhe serás por DEUS”. Logo em seguida, em Êxodo 7:1, mais uma vez DEUS fala com Moisés e diz: “Vê que te constituí como DEUS sobre o Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta.” Colocando os dois textos em paralelo, nota-se que a definição bíblica (textual) de profeta é “boca”. Logo, o profeta não fala o que ele deseja, mas o que DEUS deseja. Dt 18:18 resume essa ideia dizendo: “Suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar”.
Dentre as expressões que pertencem ao contexto do mensageiro, a fórmula “assim diz YHWH” (יהוה אמר כה), mais conhecida como a “fórmula do mensageiro”, ocorre 464 vezes na Bíblia Hebraica (BH). A primeira vez em que aparece está relacionada justamente a Moisés (Êxodo 4:22). O fato de Moisés ter sido o primeiro profeta comissionado por DEUS é de importância fundamental na Bíblia, pois todos os outros profetas seguem o modelo de Moisés. [1]
O comissionamento profético nunca foi fácil de se suportar. A Natan foi pedido que expusesse ao rei Davi seu pecado (1 Samuel 12:1-15), a Isaías foi pedido que andasse “despido e descalço” (Isaías 20:3), a Oséias foi pedido que se relacionasse com uma “mulher de prostituições” (Oséias 1:2) e assim por diante. A lista de situações constrangedoras é imensa. Isso sem contar todas a vezes em que os profetas eram hostilizados e rechaçados ao falar contra a lógica dos regimes vigentes convidando a todos de volta à PALAVRA. Estes regimes, caracterizados pela religião estática, subordinavam a soberania de DEUS aos propósitos do rei ou do líder. DEUS não estava mais livre para atuar à parte ou mesmo contra o regime. Para eles, DEUS era totalmente e inquestionavelmente acessível ao rei e àqueles a quem o rei quisesse. O acesso a DEUS era controlado pela corte real. Isso, basicamente, garantia sanção a tudo que o rei fizesse. Ao criticar –ou até mesmo questionar– a forma de governo do rei, você paralelamente estaria criticando e questionando ao próprio DEUS. Deste modo, os profetas bíblicos se tornavam uma contradição ou oposição à, como diz Walter Brueggemann, “religião do DEUS cativo”[2] convocando o povo de volta à aliança.
Apesar da nítida dificuldade do ofício profético, o profeta tinha o privilégio de ser uma testemunha do ETERNO. Através de suas palavras o DEUS invisível se tornava audível. Em sua experiência profética, ele se associava com os sentimentos de DEUS e falava em nome DELE. A única responsabilidade do profeta era para com DEUS.
Mesmo tendo forte paralelo com a figura do mensageiro real, uma diferença fundamental entre os profetas de outras religiões do Antigo Oriente Médio (que muitas vezes apresentavam apenas maldições contra os povos inimigos) e o profeta bíblico é que este, na maioria das vezes, condena sua própria nação; como se isto não bastasse, muitas vezes proclamando os inimigos de israel como instrumentos de DEUS na história.[3] Assim, o profeta bíblico não poupa sequer seu próprio rei.
O profeta é boca de DEUS e não de algum líder ou rei. Aceitar a função de mensageiros de DEUS implica, primariamente, em falar o que ELE quer.
[1] Abraão é o primeiro homem na Bíblia a ser chamado de profeta, e além disso, ele viveu a profecia. Mas Moisés foi o primeiro comissionado por DEUS. Todos os profetas seguintes tem como referência, modelo e paradigma Moisés. Abraão não é apresentado como mensageiro real, Moisés sim.
[2] Em seu livro The Prophetic Imagination.
[3] Assíria (“cetro da minha ira” – Isaías 10:5; 13:5; 5:26; 7:18; 8:7); Nabucodonozor (“meu servo” – Jeremias 25:9; 27:6; 43:10); Ciro (“meu pastor” – Isaías 44:28).