#199

Durante as últimas semanas (e muito provavelmente pelas próximas duas também) a tensão no país parece impossível de ser ignorada. Apesar do Brasil ser um país em que não há furacões, terremotos ou tsunamis e em que o fundamentalismo religioso diga respeito mais à estética do vestuário e/ou cabelos compridos que por genocídios, a violência difundida através das redes sociais ou em grupos de whatsapp nesses últimos dias tem sido tão assustadora quanto as catástrofes acima mencionadas. 

 

Semelhantemente às torcidas organizadas de futebol, o “nós” versus “eles” parece estar ameaçando o verdadeiro valor do ser humano. Ao reduzirmos pessoas a partidos políticos e candidatos, temos repetido o padrão de interações visível, por exemplo, no trânsito: se eu sou motociclista, obviamente, os carros, os ônibus, e os pedestres são um problema para o bem-estar da minha locomoção; se sou taxista, os carros de passeio são descuidados; se sou ciclista, falta cidadania aos outros. Coincidentemente, todos erram e, desgraçadamente, apenas eu sei dirigir. Assim, nasce o ódio. 

 

Como diz o historiador Leandro Karnal[1]: “Ao vociferar contra os outros, o ódio também me insere numa zona calma. Se berro que uma pessoa x é vagabunda porque nasceu na terra y, por oposição estou me elogiando, pois não nasci naquela terra nem sou vagabundo”. Não tenho certeza se sou muito bom, mas sei que o outro partido é muito ruim, logo, ao menos, sou melhor do que eles.

 

O problema desse ódio, que nada mais é do que um autoelogio, é a falsa certeza e a falaciosa autoconfiança que dele provém. No final das contas, ambas corroem o diálogo. Afinal, para quê dialogar se sou melhor? Não há esvaziamento, autocrítica ou vulnerabilidade. 

 

A Bíblia fala a respeito de eleição. Obviamente não de eleição nos moldes que temos vivenciado nesses dias. Mas de um outro tipo de eleição.

 

Em Gênesis 12:1-2 DEUS diz a Abraão: “[…] Sai da tua terra, da tua parentela, da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei e te engrandecerei o nome. Se tu uma benção!”

 

Esse capítulo inaugura uma nova fase do relacionamento entre DEUS e a humanidade. DEUS escolhe Abraão. Contudo, o pai da fé é o eleito de DEUS por um propósito bem curioso: ser benção. É como se DEUS chegasse a Abraão e dissesse: “Abraão, és tu e não o outro. Mas és tu, por causa do outro”. O motivo da escolha de Abraão é bem simples: o outro. Abraão deve ser uma benção. Essa ideia é claríssima em Gênesis 12:3: “em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Biblicamente, o eleito é aquele que serve e, deste modo, se torna benção. 

 

Aqui, surge uma pergunta: servir e ser benção a quem? A resposta: todo o mundo. Todas as famílias da terra devem ser abençoadas pelo eleito. O eleito por DEUS não serve exclusivamente às maiorias, nem exclusivamente às minorias. O eleito por DEUS serve a todos. E isso ocorre por um simples motivo: todo ser humano é imagem e semelhança de DEUS e merece ser tratado como tal. 

 

De volta ao Brasil. Qualquer representante político de qualquer esfera que se diga representar a DEUS mas não serve a TODOS, não O representa adequadamente. Pode ocorrer de alguém sequer fazer qualquer menção ao nome de DEUS e, em muitos casos, O representar melhor do que muitos daqueles que professam representá-lO. 

 

A eleição bíblica não é o modelo para a eleição de presidentes, governadores, senadores ou deputados. Ela é modelo para qualquer relacionamento humano. Uma relação baseada no serviço é a relação biblicamente fundamentada. 

 

Em Mateus 20:28, Jesus relembra o propósito de sua vinda: servir, e não ser servido. Nesse serviço, ele resgataria a muitos. 

 

O ódio do desserviço nasce não porque nos sentimos profundamente diferentes do objeto de nosso desprezo, mas porque tememos ser parecidos. Antes de taxar qualquer pessoa de acordo com sua posição política, ela é imagem de DEUS. Todo ser humano ofendido por nossas palavras, mensagens ou pensamentos, merece ser servido por nós. Afinal, o que seria de todos nós se AQUELE que veio ao mundo não viesse como servo? 

 

 

 

[1] No livro Todos Contra Todos (2017).