Estamos todos fugindo.
Basta abrir o jornal –físico ou virtual– para sermos confrontados com o que dizem ser os fatos: decapitação de gente inocente, abuso de mulheres e crianças, Nigéria, Ucrânia, São Paulo.
Não há palavras. Uma amiga costuma dizer que o ser humano não foi feito para saber tudo e creio que ela está certa. De alguma maneira, ao sermos sobrecarregados com informações regadas de imagens das atrocidades no mundo, perdemos a força para agir no nosso contexto, família, bairro. O fardo é em demasiado pesado.
O ser humano não foi feito para saber tudo e, por isso, nossa tendência mais natural é fugir da realidade. E é este o princípio que rege o fenômeno do entretenimento: fugir da realidade ao contemplar uma outra realidade; fictícia. Não suportamos a realidade, queremos o romance, o amor eterno (que não esfria) o final feliz.
Neste período específico do ano esta fuga existencial toma uma forma concreta. Quer seja através de festas da carne ou retiros do espírito… queremos fugir da realidade em que corrupção, morte, e injustiça reinam. As rodovias estão congestionadas, todos estão fugindo.
E cada um –santo ou folião– vocifera sua raison d’être nas mídias sociais igualmente congestionadas de condenações, brincadeiras de gosto duvidoso, selfies gospel e sambas-enredo. Uma guerra civil entre fugitivos. A tentação dos foliões é justificar sua existência demonstrando que a melhor maneira de evitar a realidade é deixando que a vida os leve. Do outro lado, a tentação a que os “santos” sucumbem, é o desfile de quem é mais santo, perdendo de vista nosso mútuo predicamento existencial: estamos todos fugindo. E entre estes dois extremos existem milhões em silêncio.
A conclusão é óbvia: dê ao povo seu ópio, sua depravação, sua festa, sua santidade. Pois depois da festa e do retiro, depois do refrão da marcha e do hino, a realidade permanecerá cruel. [1]
Como já disse o poeta, depois da festa e do retiro, não haverá “um acorde” que poderá nos “socorrer agora.” Fugitivos –quer sejam cidadãos, cristãos, foliões, ou cidadãos-cristãos-foliões– não queremos encarar a realidade cruel do nosso dia a dia. O que resta pra mim é o anseio, com um gosto amargo, de que o REINO venha por completo e não apenas em parte. Para que a realidade cruel da vida encontre seu balanço escatológico, onde todos teremos a oportunidade de contemplar “um novo céu e uma nova terra” (Apocalipse 21:1). E para que o fardo da crueldade da vida não seja pesado ao ponto de nos roubar a capacidade de vivermos uma vida voltada para aliviar o fardo do outro.
[1] Não apenas depois da festa, mas até mesmo durante! Esta semana o Deputado Carlos Bezerra Jr. publicou uma nota desvendando uma cruel realidade por detrás das cenas do carnaval. Aparentemente até o “mal” precisa fugir da realidade; confira aqui!