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Em 1 Reis 17:1 lemos pela primeira vez na Bíblia a respeito de Elias. Sua aparição é abrupta. O texto relata que Elias se apresenta diante do rei Acabe (rei de Israel) e afirma: “Tão certo como vive o Senhor, DEUS de Israel, perante cuja face estou, nem orvalho nem chuva haverá nestes anos, segundo a minha palavra.” 

 

Já nesse primeiro versículo muitos detalhes importantes saltam aos olhos. Primeiro, o fato de não recebermos nenhuma informação a respeito do papel que Elias desempenhava na sociedade israelita, somente que ele era “tesbita, dos moradores de Gileade”. E é desta maneira que este desconhecido ao leitor, surge diante do rei, e anuncia uma grande seca.

 

A história continua e nos versos 2-6 lemos um novo episódio deste capítulo. A palavra do SENHOR vem a Elias, refrão que se repete ao longo do capítulo, ordenando que ele vá à torrente de Querite, fronteira do Jordão. Sem questionar, ele obedece. Lá, Elias tem acesso à água e é alimentado por DEUS através de corvos que o visitam duas vezes no dia.

 

Contudo, de maneira surpreendente, no verso 7, lemos que a torrente se secou, porque não chovia sobre a terra. Mais uma vez, vem a palavra do SENHOR a Elias, e lhe ordena que vá à Sarepta, onde uma mulher lhe daria comida. Elias, sem questionar, obedece.

 

Contudo, antes de partir para o episódio seguinte do mesmo capítulo, é fundamental analisarmos algo propositalmente não mencionado até então. A região de Sarepta, pertencente a Sidom, era um local com grande concentração de adoradores de Baal. Apesar de, ao começar o capítulo 17, não sabermos quem era Elias, sabemos quem era o rei Acabe. Pouco antes do capítulo 17, em 16:29-34, lemos a respeito desse rei. Especificamente nos versos 30-31, 33, lemos: “Fez Acabe, filho de Onri, o que era mau perante o Senhor, mais do que todos os que foram antes dele. Como se fosse coisa de somenos andar ele nos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, tomou por mulher a Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios; e foi, e serviu a Baal, e o adorou. Também fez Acabe um poste ídolo, de maneira que cometeu mais abominações para irritar ao SENHOR, DEUS de Israel, do que todos os reis de Israel que foram antes dele”. 

 

Acabe contamina Israel com a adoração a Baal, servindo e adorando a esse deus. Agora, quem é Baal? De maneira sucinta, Baal é conhecido por ser o deus da fertilidade e da chuva. Releia agora o verso 1 do capítulo 17. Elias se coloca diante do rei de Israel, adorador de Baal, deus da chuva, e diz que tão certo como vive o SENHOR, DEUS de Israel (já há uma crítica implícita ao rei; “você adora ao deus Baal, mas o verdadeiro DEUS de Israel é outro”), não choveria. Ao rei que adora o deus da chuva e da fertilidade, é anunciado que não mais vai chover.

 

Ironicamente, não só a mensagem de Elias é uma crítica à situação do rei de Israel, como o próprio nome de Elias o é, o que, na minha opinião é uma das justificativas de não haver explicação quanto à função ou posição social deste homem. O nome de Elias, em hebraico אֵלִיָּהוּ (’eliahu), significa “Jeová/Adonai é o meu SENHOR”. A presença de Elias diante do rei já é uma crítica. O homem que se coloca diante do rei, é aquele que ignora o rei e seu deus, por estar diante da face do DEUS de Israel e ter somente a Ele como seu senhor (verso 1).

 

No território em que, segundo os adoradores desse deus, Baal tem domínio, o DEUS de Israel provoca uma seca. E na seca que Ele mesmo provoca, ele provê água e alimento ao seu porta-voz. Afinal, é Ele que tem o controle de tudo. E isto, apesar de parecer o contrário ao lermos da torrente que se seca no verso 7. No segundo episódio, diante do discurso irônico da viúva (“tão certo como vive o SENHOR, teu DEUS […] vou preparar esse resto de comida para mim e meu filho; comê-lo-emos e morreremos”) após o pedido de Elias por um bocado de pão, mais uma vez, DEUS provê o alimento: “Da panela, a farinha não se acabou, e da botija o azeite não faltou, segundo a palavra do SENHOR, por intermédio de Elias”.

 

A dinâmica entre Elias e a viúva merece destaque nesse capítulo. A resposta da viúva à palavra do profeta é paralela à resposta do profeta ao comando de DEUS. Ambos, simplesmente obedecem. Além disso, no terceiro episódio, após o filho da viúva adoecer e morrer (verso 17), a mulher acusa ao profeta e a DEUS pela morte do filho (que curiosamente morre, não pelo motivo que ela previa [fome], mas por ter adoecido): “Que fiz eu, ó homem de Deus? Vieste a mim para trazeres à memória a minha iniquidade e matares meu filho?”. Na sequencia, Elias clama ao Senhor aparentemente acusando-O do mesmo modo que a viúva o fizera: “Ó SENHOR, meu DEUS, também até a esta viúva, com quem me hospedo, afligiste matando-lhe o filho?”. Da mesma forma que a viúva acusa Elias, aparentemente Elias, fazendo o papel de mediador, “acusa” a DEUS. Contudo, na sequência, algo novo surge no discurso do profeta, diferente do da viúva. No v.21, o profeta clama e diz “Ó SENHOR, meu DEUS, rogo-te que faças a vida desse menino tornar a ele”. E, segundo a narrativa, o SENHOR atendeu à voz de Elias. 

 

O capítulo termina com uma afirmação da viúva: “Nisto conheço agora tu és homem de DEUS e que a palavra do SENHOR na tua boca é verdade” (verso 24). Essa afirmação da viúva ajuda a elucidar um possível problema no início do capítulo. No verso 1 o profeta anuncia a seca “segundo a minha palavra”, mas a viúva não tem dúvida que as palavras que saem da boca daquele homem não provêm dele, mas do SENHOR. 

 

O narrador provoca no leitor uma santa confusão ao gradualmente indicar quem é Elias. Elias é aquele que carrega a palavra de DEUS a ponto de nem sequer precisar anunciar sua origem. Afinal, sua vida, seu nome, o dizem por si mesmos.