A respeito das guerras descritas na Bíblia Hebraica, é importante primeiro entender algo sobre o mandamento “não matarás”. Em Êxodo 20:13 é uma das estipulações da aliança entre DEUS e Israel. Um dos fatores diferenciadores dessa estipulação de um corpus legal típico do Antigo Oriente Médio (AOM) é a ausência de explicação do assunto bem como da pena para a transgressão. Além disso, o termo usado na passagem específica é o verbo raṣah (רצח) que, de acordo com estudiosos do hebraico, traz a ideia de matar com uso de força. é importante notar que esse verbo não aparece em contexto de mortes em batalha ou em defesa própria, muito menos em casos de suicídio. O verbo é usado em diversos contextos, mas o que parece ser sua tônica é um crime contra a vida de alguém dentro da comunidade (mesmo que não do povo). Ou seja, as mortes ocorridas em guerras não pertencem a esse mandamento.
As guerras, por sua vez, não eram empreendidas pelo povo de DEUS para estabelecer sua religião, e sim para julgar a maneira vil com que os povos viviam (ver Gênesis 15:15-16, por exemplo). Os comportamentos canaanitas são vastamente conhecidos pelos historiadores. Eles podem não ter sido o povo mais violento e promíscuo da face da terra, mas com certeza não eram vítimas inocentes. A resposta simples aqui é: não é uma religião que legitima uma guerra; mas a justiça divina sim (ver Amós 1-2, por exemplo).
Outro aspecto importante é entender que as guerras que Israel empreendia eram dirigidas por DEUS e conduzidas do Seu jeito. Um exemplo de quando isso não acontece pode ser encontrado em 1 Samuel 4, quando Israel ataca os Filisteus sem a aprovação divina e é derrotado enfaticamente. O que temos na Bíblia a respeito de guerras é que a ordem deveria vir unicamente de DEUS. Sem a aprovação dEle, a guerra era proibida.
As guerras bíblicas, portanto, tinham por objetivo trazer juízo aos povos através de Israel. Nada do que hoje ocorre, pode ser comparado a isso. Também é importante notar que as guerras bíblicas aconteceram num contexto histórico e cultural completamente diferente do que temos hoje.
Considerações gerais importantes:
1) Nas leis de guerra dadas a Israel em Deuteronômio 20, Israel deveria sempre propor a paz antes de sitiar a cidade. (Deuteronômio 20:10-12);
2) O maior número de batalhas que encontramos no Antigo Testamento são batalhas de defesa e não de ataque (Êxodo 17:8; Números 21:1; 21:21-32; Deuteronômio 2:26-30; etc).
3) O narrador bíblico descreve a lei da guerra em Deuteronômio e deixa para que o leitor julgue as guerras de acordo com isso. Ou seja: muitas guerras que acontecem fora desses padrões, embora não sejam condenadas pelo narrador (como a poligamia também não o é), estão em desacordo com a ordem dada por DEUS.
4) DEUS proíbe Israel de conquistar terras para além daquilo que Ele havia prometido. Israel não deveria invadir territórios vizinhos como Edom, Moab e Ammon (Deuteronômio 2:9, 19; 2:4-5; 23:7).
5) Israel não deveria ter um exército permanente de grandes proporções. A própria lei contra o senso indica isso (se fazia senso por dois motivos principais: aumentar impostos e aumentar o exército).
6) As guerras, desde a saída do Egito até Saul, parecem ter sido lutadas por homens normais e não profissionais da guerra. Aliás, nota-se um contraste a este respeito na guerra de Israel com os Filisteus em 1 Sm. 17 onde Golias é chamado de “guerreiro desde a juventude”; em Israel isso não existia. Os valentes de David talvez sejam o primeiro “exército” experiente de Israel e era composto, ao que tudo indica, por estrangeiros também.
7) Quem tinha medo, recém-casados, velhos, crianças, qualquer um preocupado com alguma coisa não precisava lutar em Israel. Era até “desculpado”. Isso está em Deuteronômio 20:5-8.
8) Soldados israelitas não eram pagos, uma grande diferença para com os povos do AOM.
9) Reis não estavam autorizados a declarar guerras. Nem sacerdotes. Somente DEUS, através do profeta, podia declarar guerra. [1]
Por fim, é importante lembrar da chamada “mecânica da pregação” encontrada em Jeremias 18:7-8 em diante. Nela é apresentado o motivo do anúncio de destruição (ou de guerra) que sempre é uma última oportunidade de salvação.
[1] Ideias retiradas livremente de “Is God a Moral Monster?: Making Sense of the Old Testament”, de Paul Copan.