Depois da reflexão a respeito da memória (ou a falta dela), o Pregador passa a falar de si mesmo. O maior e mais irrefutável argumento de sua conclusão inicial –tudo passa e, por isso, nada vale a pena– é a sua própria jornada. A primeira parte de sua jornada é dedicada à sabedoria. Ele a buscou e a encontrou: “Eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de mim existiram em Jerusalém” (Eclesiastes 1:16). Sua conclusão, no entanto, é de que a sabedoria aumenta a dor (Eclesiastes 1:18), o que parece ecoar em uma música popular brasileira: “pena não ser burro, assim não sofreria tanto”.
A segunda parte da jornada é dedicada ao trabalho. O pregador realizou muita coisa. Na verdade, o verbo “fazer” (עשה) aparece 7x em Eclesiastes 2:4-11. A conclusão é semelhante, pois o trabalho não satisfaz e também não permanece. O trabalho não dá יתרון (ver texto anterior). Sabedoria e trabalho não permanecem debaixo do sol.
Depois dessa descrição pessoal de sua jornada em busca do que permanece, o Pregador retoma parte do argumento inicial: não há memória de nada. Tanto sábio quanto ignorante morrerão do mesmo jeito e ninguém se lembrará de ambos (Eclesiastes 2:12-17). E as obras que fizemos, as coisas que construímos serão deixadas como herança para alguém que ele não tem como prever ser sábio ou ignorante (Eclesiastes 2:18-19), alguém que não fez nada para receber aquilo e que talvez não lhe dê valor (Eclesiastes 2:21).
No fim, o maior inimigo da memória é a morte. O Pregador vê que a morte iguala a sabedoria e a ignorância; a morte separa o homem de sua obra. A morte apaga a vida.
Em face da morte, tanto a sabedoria quanto o trabalho são dolorosos. A iminência do esquecimento que acompanha a morte desespera o homem e lhe tira o descanso (Eclesiastes 2:23). Kierkegaard trata desse desespero, pois quando encaramos a nossa finitude, o desespero brota. Assim, todo ser humano é desesperado pois sabe que irá morrer.
A primeira seção de Eclesiastes, que começou no início do livro, termina com uma nota curiosa, entretanto. Depois de expor sua experiência pessoal, o Pregador resolve incluir uma relação curiosa; diz o texto: “Não há nada melhor para um homem do que comer, beber e ver em sua alma bem no seu trabalho; também vi que isso é da mão de DEUS” (Eclesiastes 2:24).
Ao mesmo tempo em que nada permanece porque a morte vai encerrar tudo no esquecimento; ao mesmo tempo que o que sobra ao homem é o desespero de saber-se finito e destinado ao esquecimento; ainda assim, há uma fonte de alegria. E essa fonte é comer e beber e ver o trabalho, mas isso é algo que vem da mão de DEUS e não do esforço humano.
Ou seja: a solução para o desespero não está debaixo do sol. O que permanece não é o que se é e nem o que se faz. O que permanece é o que DEUS dá… comida, bebida e trabalho.
A solução para a pergunta inicial é respondida com um “acima do sol”. Debaixo do sol a conclusão é de que nada vale a pena porque nada vai ser lembrado, porque a morte trará o esquecimento. Mas acima do sol está a alegria.
O curioso é que o Pregador parece fazer uma referência a Gênesis 1 e 2. A comida é o primeiro presente de DEUS (Gênesis 1:29-30) e o trabalho dado por DEUS envolve exatamente descanso: “Tomou o SENHOR Deus ao homem e o descansou no jardim do Éden para o cultivar e guardar” (Gênesis 2:15).
O valor, o significado da vida… aquilo que fica, que resta, não é o que busco, mas o que recebo da mão de DEUS.