A palavra grega pathos, comumente traduzida como “paixão”, não possuía conotação positiva em suas primeiras figurações. A ideia de pathos implicava para os gregos em um estado ou condição na qual algo acontece ao ser humano, algo do qual ele é uma vítima passiva.
O termo foi aplicado a emoções como “dor” por se acreditar que estes estados eram frutos de ações externas ao ser humano. Isso produzia a noção de que aquela pessoa estaria controlada por aquela paixão. A pessoa afetada estaria, assim, em uma relação de dependência. Esse estado era considerado como um sinal de fraqueza, já que a dignidade do homem envolvia o controle de suas emoções através da razão. O homem vulnerável a essa emoção adquiria status de doente (o que é patológico se refere à doença).
Contudo, no texto bíblico, nitidamente a fonte do mal não se encontra na emoção, no coração inflamado[1]. Pelo contrário, o mal está associado à dureza de coração, indiferença e insensibilidade. Ao invés de obliterar essa realidade, os escritores bíblicos, muitas vezes, consideram estas emoções como sendo inspiradas e/ou até divinas; afinal, o envolvimento emocional e a participação apaixonada são partes inevitáveis da existência religiosa.
Os salmos estão carregados de emoção, os profetas são inundados pela paixão. Para alguns gregos, o estado ideal do homem era a apatia. Para o escritor bíblico, o estado ideal do homem é a simpatia.
Diferente da passividade compreendida pelos gregos, aquele que é invadido pela paixão divina, age. Como afirma o Salmo 111:10: “O temor do Senhor é o principio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam”. Grandes feitos são realizados por aqueles preenchidos pelo espírito divino.
Maravilhosamente bela é a surpresa de que, diferente do que muitos possam imaginar, DEUS é retratado no texto bíblico de igual modo, apaixonado. A grandeza de DEUS está, dentre outras coisas, em Sua capacidade de vivenciar emoção. O DEUS bíblico é um DEUS apaixonado.
Como diz o profeta Isaías: “Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos.” (Isaías 57:15).
No paradoxo de um DEUS tão grandioso que não cabe no céu (1 Reis 8) e tão próximo que tem ciúmes de seus filhos (Êxodo 20:5) enxergamos a beleza da experiência religiosa: assombrados pela distância e maravilhados pela paixão.
[1] Abraham Joshua Heschel desenvolve o tema do pathos associado aos profetas bíblicos de maneira magistral em seu livro The Prophets.