“Há mais ídolos do que realidades no mundo…” Friedrich Nietzsche
…e dentre esses inúmeros ídolos, um dos mais influentes e abrangentes é uma religiosidade e um discipulado divorciado das palavras de Jesus. Pois por mais que Jesus tenha deixado as diretrizes de como deveríamos viver enquanto discípulos, milhares de anos depois estamos discutindo estratégias, métodos e maneiras de discipular, de alcançar pessoas do mundo para atraí-las para dentro de nosso contexto.
E não me entendam mal, caros leitores. Não há nada de errado em pensar, em discutir estratégias e métodos; o problema aqui é transformar o que Jesus disse em algo que ele não disse. De fazer de nossas palavras as palavras de Jesus. De forjar uma imagem de discipulado de acordo com nossos ritos e costumes e dizer que “este é o deus que nos tirou da terra do Egito.” (Êxodo 32:4)
Antes de estratégias, antes de métodos, antes de entender cultura e sociedade precisamos entender a fria realidade de que só pode discipular quem já é discípulo. Entendam, a leitura dos Evangelhos limpa nossos olhos para nos dar as condições de enxergar o que é realidade e o que é idolatria. Entender que só pode discipular quem é um discípulo e discutir métodos é uma realidade. Discutir métodos sem entender ou ser um discípulo é idolatria.
Diante disso a questão seria: o que de fato qualifica alguém como discípulo, ou, o que é um discípulo?
A resposta pode ser variada pois cada Evangelho irá apresentar um ângulo diferente de Jesus e, consequentemente, o que significa seguir a Jesus será apresentado de forma diferente. Em Marcos, por exemplo, há uma grande ênfase no sofrimento de Jesus. E de alguma maneira ou de outra, o discípulo é aquele que compartilha dos sofrimentos de Cristo. No século 21, no ocidente, essa definição é distante demais de nossa realidade confortável. Nossos sofrimentos são radicalmente diferentes dos sofrimentos do nazareno.
Em João nós temos uma definição linda de discipulado criada pelo próprio Jesus. E quem melhor do que Jesus para nos dizer o que de fato significa discipulado?
João 8:31-32 diz: “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”
Notem que a mera crença em Jesus não nos torna necessariamente seus seguidores. João enfatiza o permanecer nas palavras de Cristo como o fator determinante. Na medida em que permanecermos nas palavras de Jesus teremos a base correta para vivermos nos caminhos de Jesus. O caminho são as Palavras. No fim do Evangelho de Matheus a Grande Comissão termina com essa mesma ênfase. Os discípulos devem fazer mais discípulos, batizando-os, e “ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado.” (Matheus 28:20) Discipulado nasce e vive dentro do contexto e da realidade das palavras de Jesus.
E é aqui que podemos distinguir realidade de idolatria: pois é fácil crer em Jesus –“também os demônios crêem e tremem” (Tiago 2:19)– difícil é permanecer em Suas palavras. Somos, nesse quesito, muito semelhantes aos discípulos originais. Em Mateus 10 Jesus faz um discurso para os doze em que afirma que eles seriam enviados para as ovelhas perdidas de Israel. Eles receberiam poder para curar até mesmo leprosos, ressuscitar mortos e expulsar demônios. Eles nem precisariam de dinheiro pois DEUS cuidaria deles por onde fossem. A descrição de Cristo é minuciosa. No meio dele, os discípulos deviam estar pensando que seriam invencíveis! Era bom demais para ser verdade. Mas Jesus muda o tom, começa a falar sobre serem levados para cortes e diante de reis, e que haviam lobos devoradores, e que eles não deveriam temer aqueles que matam o corpo! E nós como eles vibramos no que recebemos de Cristo, mas ignoramos aquilo que possivelmente perderemos ao seguí-lO.
Permanecer nas palavras de Jesus é um risco. Pois numa cultura religiosa bastante semelhante a dos tempos de Jesus, com legalismo, costumes e tradições, com autoridades religiosas teológicas e eclesiásticas, permanecer nas palavras de Jesus abraçando uma justiça que excede a dos escribas e dos fariseus pode resultar em conflito, desconforto, e morte. Talvez não a morte física, mas a morte de uma reputação, do prestígio, a morte de ser mal interpretado por fazer o que é correto.
E eis aí nossa idolatria. De fazer com que discipulado seja reduzido à quão bem conhecemos essa e aquela geração, quão bem vivemos seguindo as normas de conduta de nossas respectivas comunidades religiosas, quão bem trazemos pessoas para as águas do batismo sem ter uma idéia do que significa permanecer nas palavras de Jesus. Pois fazemos das nossas palavras, as palavras de Jesus. E assim que alguém concorda conosco e é batizado, se torna membro de uma igreja, mas não necessariamente do Reino.
Só pode discipular quem já é um discípulo. Portanto sigamos a recomendação de Lucas 14:28-33: “Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? De outra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores, e pede condições de paz. Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo.”
É necessário tirar tempo para contar o custo, para avaliar se estamos dispostos a seguir a Cristo pelo caminho estreito.
Só pode discipular quem já é um discípulo, quem já permanece nas palavras, e quem já segue Jesus rumo ao incerto.
Essa é a realidade, o resto é idolatria.