Quando falamos em “adoração”, nossa mente imagina um lugar de adoração a DEUS ou em um culto a DEUS. Pensamos assim porque, na Bíblia, a adoração está quase sempre relacionada à uma atitude de reverência a DEUS. No entanto, a palavra “adorar” não vem qualificada de sinceridade e boas intenções. “Adorar” não é um adjetivo; é um verbo que designa uma ação. Por isso, mesmo quando dizemos que vamos adorar, nossas intenções podem estar carregadas de orgulho e hipocrisia.
Por exemplo, quando os visitantes do Oriente chegaram a Belém da Judeia, eles disseram ter vindo para encontrar o menino rei e O “adorar”, no grego, proskynéō (Matheus 2:2). Por outro lado, Herodes também disse a eles que queria ir “adorar” o menino Jesus (Matheus 2:8). Todos pretendiam adorá-lO. Uns, com sinceridade de coração; Herodes, com aparência de adoração e falsa intenção de prestar culto.
Outro equívoco é pensar que a adoração tem lugar e hora marcados. Por isso, há pessoas que esperam chegar até ao local público de culto para, então, cultuar. A mulher samaritana também achava que a adoração tinha de ser feita em um lugar determinado (para os samaritanos, o local eram os montes Gerizim e Ebal) e argumentou com Jesus: “Nossos pais adoraram neste monte e você diz que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar” (João 4:20).
A resposta de Jesus desmonta a noção de que a adoração está ligada a um lugar fixo, a um modelo litúrgico, a um sistema eclesiástico ou a um dia de culto: “A hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorarão meu Pai… DEUS é Espírito, e importa que aqueles que O adoram O adorem em espírito e em verdade” (João 4:21;24).
Porque Ele é Espírito, e não pode ser encontrado somente no lugar onde nossa cultura religiosa O instalou, isto é, em templos longe do nosso trabalho, da nossa casa e das nossas relações cotidianas, Jesus diz para seus adoradores O adorarem em espírito. Adorar em verdade significa que a adoração “é uma maneira de dizer que devemos adorar a DEUS por meio de Cristo”, a Verdade, a “videira verdadeira, o verdadeiro Pastor”.[1]
Então podemos dizer que a adoração em espírito –não aprisionada a lugares e dias– e em verdade –não centrada em nós e nossa retórica mas em Cristo– é algo que envolve toda uma vida. E mais: a adoração aceita por DEUS não é uma pose de contrição, mas uma atitude de comunhão impregnada do estilo de vida segundo o Reino de DEUS. E segundo os princípios do Reino, nem toda forma liturgicamente correta é sinal de pureza de coração:
“Parem de trazer ofertas inúteis…Não consigo suportar suas assembleias cheias de iniquidade…Quando vocês estenderem as mãos em oração, esconderei Meus olhos de vocês…Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem” (Isaías 1:13-17)
O profeta Amós escreve que DEUS despreza o louvor, os cultos solenes (Amós 5:21) e as melhores ofertas (5:22) de um povo que detesta quem conta a verdade (5:10), pisa no pobre (5:11), oprime o justo e aceita subornos (5:12). Não mais suportando a adoração, liturgicamente correta mas hipócrita em sua falsa comunhão, Deus declara: “Afastem de Mim o barulho das suas canções, porque não ouvirei a melodia de tuas liras”, a não ser que “corra a justiça como as águas” (Amós 5:23, 24).
Miroslav Volf diz que “há algo profundamente hipócrita em louvar a DEUS pelas poderosas obras de salvação, e ao mesmo tempo cooperar com os demônios da destruição, seja por negligenciar o bem ou por praticar ativamente o mal… Sem a ação em favor do mundo, a adoração a DEUS é vazia e hipócrita, e se degenera num silêncio irresponsável, sem DEUS”.[2]
Não são a solenidade ou as músicas que desagradam a DEUS. O que é inaceitável no Reino é dizer “vamos adorá-Lo” com o coração de Herodes, é o louvor de vozes que “honram a DEUS com os lábios”, mas cujo coração está distante do Eterno (Isaías 29:13), é reservar a adoração para lugares e formas fixas em vez de fazer a justiça e a bondade correrem como ribeiros de água pelo mundo.
Joêzer Mendonça
[1] Ver texto de D. A. Carson “Adoração por meio da Palavra”, em Louvor: análise teológica e prática.
[2] Ver o texto “Reflections on a Christian Way of Being-in-the-World”, em Worship: adoration and action, p. 211.