#17

Uma marca interessante no relato criativo de Gênesis 1 e 2 é como dois elementos se constroem em uma harmonia que a física explica: tempo e espaço. Em Gênesis 1:1-2:3, conhecido como o primeiro relato criativo, há uma progressão interessante de refrãos, se repetindo quase que no mesmo ritmo: “e disse DEUS”; “e viu DEUS que era bom”; “houve tarde e manhã”. Além destes, palavras-chave como “semente”, “firmamento”, “dar”, etc., se repetem constantemente.

A ênfase, visível na construção do texto, vai rumo a um clímax que é atingido no início da parte final (Gênesis 2:1-3), quando todos os refrãos e palavras-chave simplesmente desaparecem para que o ápice se sobrepuje. O ápice é o tempo, o tempo separado/sagrado, abençoado…o tempo do descanso. Seis dias de atividades criativas são concluídos com uma atividade que soa estranha se referindo à divindade: descanso. Mas ainda que não se compreenda especificamente o que este descanso relacionado à divindade representa, nota-se que ele é, pela própria estrutura do texto, um rompimento com os seis dias anteriores. Êxodo 20:8-11 elucida melhor Gênesis 2:1-3: há seis dias e há o sétimo dia. Seis dias para que o homem faça e um sétimo porque DEUS fez. A ligação destes dois textos –que é tanto temática quanto linguística– sugere liberdade e restrição temporal. Há o tempo do fazer e o tempo do descansar. Seis dias e um sétimo separado. O homem recebe os sete, mas um deles, o sétimo, não lhe pertence; lhe é dado como uma benção e em santidade.

Em Gênesis 2:4-17 temos uma parte do chamado segundo relato criativo. Não há o mesmo ritmo e nem o uso de refrãos, como no primeiro, mas há uma progressão que parece indicar uma ligação íntima entre dois elementos: o homem (אדם – ʼadam) e a terra (אדמה – ʼadamah). O primeiro é formado do segundo. E este humano, tão terreno, está inserido em um ambiente espacial detalhadamente descrito (v. 8-14). Um espaço e seu dono. Mas este senhorio sobre o espaço parece ter limites, como exposto nos versos 16-17: de todo o espaço, de todo o produto do jardim do qual o homem poderá se alimentar, algo lhe é restrito: uma das árvores não lhe poderia servir de alimento. O homem recebe o jardim e todas as árvores, mas uma delas, a árvore do conhecimento do bem e do mal, não lhe pertence…lhe é negada.

Obviamente há um peso diferenciado entre o sábado e a árvore do conhecimento do bem e do mal. O sábado aparece como o ápice, a plenitude do primeiro relato. A árvore se encontra no desenrolar do segundo relato. Assim, guardadas as devidas proporções, o que se percebe é que o tempo e o espaço caminham de maneira similar: há a dádiva e há a restrição. O homem recebe ambos, mas não os possui completamente. “Tudo é seu, mas nem tudo é seu”. Tempo e espaço são bênçãos, presentes da divindade para a humanidade. Tempo e espaço são marcas da limitação da humanidade diante da divindade.

A identidade da criatura se evidencia não no que lhe é presenteado, mas no que lhe é restrito. Por sua vez, a identidade do Criador se evidencia não no que Ele restringe, mas no que Ele oferta.