Há uma palavra importante no livro de Gênesis que se repete diversas vezes: “gerações” (tôlĕdôt – תוֹלְדוֹת). Ela aparece precisamente onze vezes (Gênesis 2:4; 5:1; 6:9; 10:1; 11:10; 11:27; 25:12; 25:19; 36:1, 9; 37:2) e diversos autores a consideram como uma espécie de marcador de início de seção dentro do primeiro livro da Bíblia, sendo Gênesis 1:1-2:3 a única seção que não seria iniciada por ela.
Ao aparecer na narrativa, “gerações” é seguida de duas possibilidades: ou uma narrativa, ou uma genealogia, conforme relacionado abaixo:
Gn 2:4 |
Céus e Terra |
Narrativa |
Gn 5:1 |
Adão |
Genealogia* |
Gn 6:9 |
Noé |
Narrativa |
Gn 10:1 |
Noé |
Genealogia* |
Gn 11:10 |
Sem |
Genealogia |
Gn 11:27 |
Terá |
Narrativa |
Gn 25:12 |
Ismael |
Genealogia |
Gn 25:19 |
Isaque |
Narrativa |
Gn 36:1 |
Esaú |
Genealogia |
Gn 36:9 |
Esaú |
Genealogia |
Gn 37:2 |
Jacó |
Narrativa |
As seções iniciadas em Gênesis 5:1 e 10:1, apesar de serem genealogias, terminam com pequenas narrativas que criam o background para a própria seção. Por exemplo, Gênesis 6:1-8 constrói o pano de fundo para a seção do dilúvio que começa em Gênesis 6:9.
É interessante notar que tôlĕdôt introduz tanto genealogias quanto narrativas. Por quê? Porque obviamente seu uso em genealogias faz sentido (“essas são as gerações de fulano… Fulano gerou ciclano que gerou beltrano, etc”), mas não faz o mesmo sentido nas narrativas, principalmente porque na grande parte das vezes, a história contada não é a do indivíduo introduzido na fórmula.
Em Gênesis 11:27, por exemplo, ao falar das gerações de Terá, a narrativa vai contar a história de Abraão. Na tôlĕdôt de Gênesis 25:19, a narrativa trata Isaque como personagem secundário, dando destaque a seus filhos, principalmente Jacó. E em Gênesis 37:2, no que é descrito como as “gerações” de Jacó, o personagem principal será José: “Essas são as gerações de Jacó. Tinha José 17 anos e[…]”.
Quer dizer, ao falar das gerações de alguém, o destaque da narrativa é deslocado para o filho desse alguém. Basicamente, o uso de tôlĕdôt para introduzir uma narrativa indica que a história a ser narrada será a dos filhos do indivíduo das “gerações”.
Assim, o filho conta a história do pai.
A narrativa bíblica realça e aponta um enredo importante demais já em seu primeiro livro e em suas primeiras histórias: a narrativa relevante é a do Filho. É ele que contará quem é o Pai.