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“Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim […]” João 17:20

 

Em João 17 vemos claramente pelo menos um conceito-chave da Reforma de maneira explicita: Soli Deo Gloria (glória somente a Deus). Contudo, antes de mais nada, vale contextualizarmos esta oração de Jesus. Em João 12:1-8 vemos componentes que são ecoados à frente nos capítulos 13-16. Jesus havia ceado em Betânia e, naquela ocasião, Maria lava os pés de Jesus e, por fim, narra-se a entrada triunfal em Jerusalém em que há a aclamação: “Hosana! Hosana! Rei de Israel!” Nos capítulos seguintes, Jesus ceia com os discípulos, lava seus pés e ouve, após a oração, a aclamação: “Crucifica-o! Crucifica-o!” (19:15). Aclamação esta voltada ao, como dizia a placa sobre a cruz, “Rei dos Judeus” (19:19). Os capítulos que antecedem a oração são marcantes para que possamos compreendê-la. Jesus termina seu ministério e, aparentemente, seus discípulos parecem não compreender nada do que se estava passando. Dos capítulos 13 a 16 ouvimos de discípulos diferentes (Pedro, João e Tomé) as perguntas:  “Lavar meus pés?”; “Quem vai te trair?”; “Para onde vais?”; “Como podemos saber o caminho se não dizes para onde vais?”. Isso sem contar pedidos como por exemplo o de Filipe: “Mostra-nos o pai”. Sem qualquer ansiedade, Jesus lhes responde conversando; uma conversa pessoal que se resume ao que vemos em João 16:12-30. A ideia de que embora ainda houvesse um longo caminho a percorrer, eles estavam no caminho. Assim, finalmente chegamos ao capítulo 17.

 

O capítulo 17 inicia com a afirmação: “[…] é chegada a hora”. Ouvimos que a hora havia chegado desde o capítulo 13. Em João 13:1, lemos: “[…] sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai […]”. Ou em João 16:32: “Eis que vem a hora e já é chegada […]”. Em todos os três momentos a hora estava associada à solidão que ele sofreria, como também à sua morte. Curioso que na sequência de João 17:1, lemos: “glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti […]”. Morte e glória não parecem aliados naturais, contudo, em Jesus o são. Isso porque glória aqui não é somente o que ofusca a visão, mas é o que ilumina o coração do que crê. Soli Deo Gloria (glória somente a Deus) não só porque ele é o Criador, mas por que é o cordeiro morto antes da fundação do mundo. No verso 5 lemos: “glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo”.

 

Curioso é que no final do capítulo 17, mais especificamente nos versos 22-23, a palavra glória aparece associada a um outro conceito. O conceito de unidade. Neles, lemos: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.”

 

A linguagem da oração de Jesus não envolve ideias, projetos ou estratégias; ela trata de um envolvimento pessoal. Comumente buscamos a unidade lida nestes versículos por dois meios. Primeiro, buscamos resolvê-la com as próprias mãos. Impacientes com a oração, resolvemos através do cisma. Reduzimos a escala da unidade àqueles que pensam igual e possuem temperamento semelhante ao nosso. Desta forma, a unidade é preservada pela preferência pessoal. Uma segunda maneira é através da imposição. Buscamos a unidade por coerção. Um estilo hierárquico de autoridade impessoalizada dita métodos burocráticos, e aquele que se recusa a se conformar é excluído, evitado. Desta forma, em nome de Jesus fazemos o contrário daquilo pelo que Ele orou.

 

Na oração de Jesus nenhuma das duas unidades acima fazem sentido. A unidade pela qual ele ora é articulada na linguagem do relacionamento pessoal e da participação voluntária.

 

O que nos une é a glória de DEUS. Novamente, o verso 22 diz: “Eu lhes tenho transmitido a glória […], para que sejam um […]”. Para a unidade em Cristo, é necessária a glória da morte. Somente aceitando a morte dELE, e permitindo que nosso eu de “donos da verdade” morra, há a esperança desta unidade.

 

De modo geral este texto é conhecido primeiramente como a “oração sacerdotal” de Jesus. Daí a associação com o conceito de Solus Christus (somente Cristo).