“Quão silencioso terá sido este mar;
quão preparado para o assombro da palavra!”
George Steiner
No texto Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem Walter Benjamin afirma que no “haja” e no “Ele chamou” presentes nos primeiros versículos de Gênesis 1, vemos uma clara relação entre o ato criador e a linguagem. Tudo começa com a onipotência criadora da linguagem divina, e ao final, a linguagem incorpora a si o criado, ela o nomeia. Para Benjamin:
“Em DEUS o nome é criador por ser palavra, e a palavra é saber por ser nome. ‘E DEUS viu que isso era bom’, isto é: Ele conheceu pelo nome. A relação absoluta do nome com o conhecimento só existe em DEUS, só nEle o nome, porque é intimamente idêntico à palavra criadora, é puro meio do conhecimento. Isso quer dizer: DEUS tornou as coisas cognoscíveis ao lhes dar nomes. Mas o homem só nomeia as coisas na medida em que as conhece.”[1]
Em outras palavras, o homem é aquele que conhece na língua em que DEUS cria. Sua essência é a linguagem em que ocorreu a criação. Contudo, de acordo com Gênesis, ao criar o homem, DEUS não o cria a partir da palavra, e ele não o nomeia. DEUS pôs no homem a linguagem que Lhe havia servido como meio da criação. DEUS descansou após depositar no homem seu poder criador. Em Gênesis 2:19-20a lemos: “Havendo, pois, o senhor DEUS formado da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos”.
Ao dar nomes aos animais, o homem ratifica a ideia de domínio sobre a criação já apresentada nos versículos finais do capítulo 1 (versos 26-28). No Antigo Oriente Médio nomear algo é símbolo de soberania sobre aquilo que se nomeia. Na Bíblia, por exemplo, vemos esta ideia em 2 Reis 23:34: “Faraó-Neco também constituiu rei a Eliaquim, filho de Josias, em lugar de Josias, seu pai, e lhe mudou o nome para Jeoaquim […]”. Nesta ocasião a renomeação está ligada a um acordo de vassalagem. Dentro da linguagem da aliança, mudar o nome está ligado a assumir a paternidade de alguém.
Na narrativa da criação, DEUS nomeia partes do universo e os marcadores de tempo (1:5,8,10), e em seguida, permite ao homem dar nome às criaturas sobre às quais ele teria domínio. Ao nomear, mais uma vez, o homem se torna imitador de DEUS. A palavra divina depositada no homem não só tem poder em si, como também concede poder àquele a quem ela é outorgada.
[1] Benjamin, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo, SP: Editora 34, 2013, p.61