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Em Lucas 7:36-50, lemos que Jesus é convidado a comer na casa de um fariseu chamado Simão. Logo no início da narrativa somos surpreendidos por uma mulher, pecadora, de acordo com o narrador, que invade aquele momento e começa a “regar”os pés de Jesus com lágrimas e os ungia com uma espécie de perfume, secando-os com seus cabelos. Obviamente, esta cena chama a atenção de todo naquele recinto. Na cena seguinte do relato, somos transportados para dentro da cabeça de Simão, o dono da casa, por ouvirmos seus pensamentos: “Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou porque é pecadora”. Logo na sequencia Jesus dirige-se a Simão e lhe conta uma história de duas pessoas que deviam quantias diferentes a um certo credor. A dívida de uma deles era cem vezes maior que a do outro, mas, como o texto deixa claro, “não tendo nenhum dos dois com que pagar”, foram perdoados.

A história contada aparece como que respondendo ao pensamento de Simão sobre Jesus ser ou não um profeta. Obviamente, Simão não sabe disse e nem entende de cara. Somente, Jesus, o narrador, e nós, leitores, sabemos disso.

O texto diz que logo ao terminar a história, Jesus se volta para Simão e pergunta: “Qual deles, portanto, amará mais?” (v.42). Simão responde: “Suponho que aquele a quem mais perdoou” (v.43). E Jesus, por fim, diz: “Julgaste bem” (v.43). Esse diálogo é central na narrativa por alguns motivos. A descrição deste ocorrido parece estar estruturada em três blocos de relato+ avaliação/julgamento:

Introdução (v.36)
1.relato (vv.37-38) + avaliação (v.39)
2.relato (vv.40-42) + avaliação (v.43)
3.relato (vv.44-46) + avaliação (v.47)

Contudo, algo interessante salta aos olhos nessa estruturação. Tanto na primeira como na segunda avaliação é Simão quem julga. Primeiro, o fato de Jesus ser profeta ou não e da mulher ser uma pecadora, e segundo, respondendo à pergunta de Jesus sobre a história (“julgaste bem”, v.43). Acontece que a partir do v. 44 Simão passa a entenderque há relação entre o que ele havia pensado e a história que Jesus havia contado. É como se nos vv.44-46, os vv.37-38 fossem agora, recontados à luz da história dos vv.40-42.

E o que acontece aqui? Simão não mais tem o papel de julgador, mas sim de julgado. E quando ele é avaliado, uma inversão ocorre na narrativa. Aquela mulher indigna de se aproximar de Jesus por ser pecadora acaba se tornando uma melhor anfitriã do que aquele que deveria ser o anfitrião. Os vv. 44-47 dizem: “E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés. Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.”

Basicamente, Simão se considerava melhor do que aquela mulher. Avaliando a própria vida, ele via poucos pecados a serem perdoados. Seus “méritos”, o tornam “melhor”, mais santo. O problema é que esta história aponta para o fato de que ele precisava do perdão tanto como aquela mulher. O pecado que ela tinha todos podiam ver, os dele, talvez não. Nem mesmo o próprio Simão os enxergou. A inversão que Jesus provoca diz a Simão nas entrelinhas: Na verdade Simão, seus muitos pecados também precisam de perdão. Ou melhor, o verdadeiro perdão é o perdão do muito.

Simão questiona o profetismo de Jesus pelo simples fato de ele estar próximo, muito próximo, inclusive numa situação constrangedora de afeto (para os outros) com uma pecadora. E aqui, mais uma vez, o profeta bíblico é apresentado não como aquele que se afasta do pecador, pelo contrário é deles de quem ele mais se aproxima. Ele é aquele que reconhece numa demonstração sincera, o amor de alguém que muito foi perdoado.

Quer ser aquele que chama o pecado pelo nome? Porque não começar chamando o seus próprios muitos pecados pelo nome?

Enquanto acharmos que temos pouco a ser perdoado, pouco amaremos. A Deus e ao próximo.