Abraão recebeu a visita de DEUS em sua tenda e comeram juntos um cordeiro com coalhada (Gênesis 18:7-8). Depois a conversa entre eles se estendeu para a reafirmação da aliança, com a promessa de que Sara e ele, Abraão, realmente teriam um filho no ano seguinte (Gênesis 18:9-10). Os diálogos em Gênesis 18:9-14 lembram muito Gênesis 17, com diversos ecos, incluindo a risada duvidosa da promessa, tanto de Abraão (Gênesis 17:17), quanto de Sara (Gênesis 18:13).
Depois desse papo, o narrador apresenta algo raro na narrativa, um diálogo interno do próprio DEUS. Essa fala interna já apareceu em um momento crucial, Gênesis 8:21-22 na história de Noé. Aqui, DEUS se questiona se deveria ocultar algo do Seu eleito, se deveria conversar a respeito de tudo, já que o escolheu para praticar a justiça e o juízo, abençoando as nações da terra (Gênesis 18:17-19). A fala de DEUS consigo mesmo é irônica, principalmente pelo diálogo que se segue, onde DEUS diz a Abraão que vai verificar se Sodoma e Gomorra são tão pecadores quanto se tem dito. DEUS, aparentemente, vai investigar se as alegações de prática pecaminosa lá correspondem a verdade (Gênesis 18:20-21). Ora, DEUS não precisaria investigar nada, como de fato acontece na sequência, quando os dois seres angelicais descem até Sodoma e vão até a casa de Ló (Gênesis 19).
Abraão havia libertado o rei de Sodoma e seus habitantes de um cativeiro, história narrada em Gênesis 14. Agora, algumas décadas depois (talvez duas), DEUS resolve destruir as duas cidades. O diálogo entre Abraão e DEUS depois do anúncio de destruição é particularmente interessante, pois aponta o eleito de DEUS intercedendo pelas cidades. Seu argumento é de que DEUS não deveria destruir o ímpio com o justo. Ele pede para que DEUS poupe a cidade se houver 50 justos, depois 40, 30, 20 e, por fim, 10. Seu pedido é que DEUS poupe todos se ali houver, pelo menos, 10 justos.
A narrativa mostra que nem a família de Ló era justa (Gênesis 19 contém cenas bizarras e fortes, piores do que muitos seriados de TV). A destruição de Sodoma e Gomorra de fato ocorre, pois a maldade e o pecado deles havia excedido o limite de DEUS (algo semelhante com o que aconteceu no dilúvio, em Gênesis 6).
Duas coisas saltam aos olhos na narrativa:
- A maldade chega a um ponto em que a intervenção divina é inevitável. Seu juízo vem e destrói. Não é Abraão ou Ló, entretanto, que executam o juízo e destroem a cidade. É DEUS quem age. ELE destrói, ELE executa o juízo.
- O comportamento do eleito de DEUS é o de clamar por misericórdia para os habitantes daquelas cidades. Abraão não sente prazer na morte do ímpio. Abraão não intercede somente pelos justos de Sodoma e Gomorra, pois ao interceder por eles, mencionando os justos, ele salvaria a todos. Assim, o eleito de DEUS pede a ELE por salvação.
Se DEUS viesse jantar em algumas casas religiosas de hoje e resolvesse perguntar sobre certas situações, a impressão que se tem é de que esses “eleitos de Deus” de hoje pediriam é pela destruição de tudo e de todos. Diriam: “se o justo está habitando em Sodoma, nem deve ser tão justo”, ou “se é justo mesmo, melhor tirar ele de lá do que poupar aqueles pecadores desgraçados de Sodoma”.
Há uma ideia de que clamar por misericórdia é negar a justiça. Entretanto, clamar por misericórdia não é concordar com o pecado ou maldade, mas entender que a justiça e o juízo não são nossos, e sim de DEUS. ELE executará Sua vontade como e quando quiser.
Clamar por misericórdia não é fraqueza, conivência e permissividade, é parte da missão do eleito de DEUS.
Os discursos raivosos de religiosos pela internet e TV só nos lembram o quão distantes estamos da realidade bíblica. Todos querem ser os “profetas” que chamam o “pecado pelo nome”. O primeiro profeta (Gênesis 20:7) age diferentemente. Ele intercede e pede misericórdia.