#157

[Obs.: Neste último final de semana a Terceira Margem do Rio participou de uma vigília organizada pela IASD central de Taguatinga. Tiago Arrais falou a respeito de sola scriptura e, mais tarde, cantou algumas de suas canções; Edson Nunes falou de sola gratia; Lucas Iglesias falou de sola fide e solus Cristus; Leonardo Gonçalves falou de soli Deo gloria e cantou duas canções em hebraico; Felipe Valente também cantou; e tivemos a participação especial de Gabriel Iglesias, que apresentou algumas de suas canções. O ingresso para este evento havia sido estipulado em forma de alimentos não perecíveis que seriam doados para um assentamento do MATR (Movimento de Apoio ao Trabalhador Rural) que regularmente é atendido e assistido por voluntários da IASD central de Taguatinga. Pedimos para que pudéssemos pessoalmente participar da entrega destes alimentos. Ao chegarmos no local, a situação era calamitosa; faltava água e não se sabia quando um carro pipa poderia suprir as necessidades mais básicas e para piorar, um dos membros daquela comunidade, Antônio, havia acabado de falecer. Fizemos uma pequena programação para os membros daquela comunidade que não foram ao enterro de Antônio. Visitamos a viúva, Geralda, que acabara de retornar do funeral de seu marido, e, em uma pequena capela em que não caberiam mais de 20 pessoas, cantamos alguns hinos e Lucas orou por ela e sua família. O texto que segue é fruto destes acontecimentos.]

 

Hoje orei com quem ficou. Dura é a dor de ficar ao ver partir. Em toda perda, por mais que uma parte de nós também se vá, sofremos com a aridez do ficar. O dia da perda –o dia que marca a vida de quem fica– como todos os outros, termina. Chega a noite, e depois outro dia. Por mais que o tempo pareça ser o melhor remédio, neste caso, a indiferença proveniente de sua relação com toda natureza me atormenta. Não posso fazer nada. No dia seguinte, a planta cresce. E eu, fico.

 

A terra recebeu mais um daqueles que nunca a possuiu. Entregar à terra alguém que nunca a teve? Ironia da vida, ser possuído, mas nunca possuir. Esse elo vem de longe. Do pó viemos e ao pó voltamos.

 

Seu domínio envolvia cultivar e guardar. Mas como cultivar se hoje a terra é seca, e o domínio oprime aqueles que a ela tem por direito. Nem o suor do rosto é capaz de regar esse chão, para, dele, conseguir meu pão. Terra estéril, terra infértil.

 

Hoje o pó, feito barro nas minhas lágrimas, não fez milagre. Talvez, nada tenha mudado para tantos olhares pelos quais passei meus olhos. A água que molha a terra no meu rosto, não molha a terra daquele chão. Terra seca, terra dura, terra de opressão.

 

Talvez, sim, tenha havido um milagre. Meus olhos, outra vez, foram abertos. Outra vez, porque tantas vezes eles já foram abertos, mas sempre, indiferentes à realidade alheia, se fecharam, se secaram. Como a pálpebra se fecha para que, agora umedecido, possa enxergar, minha visão é terra seca que precisa se molhar.

 

Triste que de um encontro com tantos à mercê, necessitando do básico, sou eu quem recebo a bênção. No conforto do meu lar penso em como estariam aquelas pessoas que vi, e pelas quais chorei. Se teriam água para preparar o alimento que lhes fui entregar.

 

Com a reação da dona Geralda, mais uma vez, me constrangi. Como alguém que perdeu o seu querido, por me ver, poderia ficar feliz? Ela é chuva para meu coração seco. Eles são chuva para minha terra seca. Ainda hoje as minhas lágrimas secaram. Não sei se amanhã ainda sentirei o mesmo que senti. O que essa chuva, em mim, produzirá?

 

Só um tufão pode rachar este chão e desfazer o torrão da indiferença em mim. Quero voltar a ser pó, talvez assim, o vento me leve. Seu vento me guie.

 

Lucas Iglesias