#143

“A minha graça te basta […]”
2Co 12:9

 

Dentre os vários personagens em O Idiota, de Dostoiévski, o príncipe Michkin merece destaque. A sociedade de São Petersburgo, da qual ele faz parte, é por Dostoiévski retratada como trivial e superficial. Afetação e pose são epidêmicas entre pessoas que se avaliam mutuamente pela quantidade de dinheiro que possuem, pelo tipo de famílias das quais se originam e pelas pessoas que conhecem. O príncipe é recebido em seus salões com cautela, apenas devido à possibilidade de ter conexões com a nobreza. Mas desde o início é alvo de suspeitas. Ignorando a importância dos nomes e da posição social, obviamente não se encaixa.

 

Desde o início, o príncipe dá a todos a impressão de ser simplório e ingênuo. Ele passa a impressão de não saber como o mundo funciona. As pessoas supõem que ele não possui experiência nas complexidades sociais. É um inocente em relação ao mundo real. Um idiota.

 

Contudo, pouco a pouco, sem que ninguém saiba explicar o que está acontecendo, o príncipe se torna a pessoa mais importante para essa gente, gente obsessiva e louca por fama, sexo ou dinheiro. Em várias situações, pessoas se interessam por ele afim de usá-lo. Mas ele não é “usável”. Porque ele não é bom em nada, ele simplesmente é bom. No meio da loucura de intrigas de pessoas lutando pelos seus objetivos, ele emerge como alguém importante apenas por sua humanidade. Nastácia Filipovna, das figuras psicologicamente mais intrigantes do romance (uma espécie de Maria Madalena, uma mulher atormentada pelos seus próprios demônios, e explorada pela sociedade), tem na pessoa do príncipe a oportunidade de amar e salvar-se.

 

A convivência com o príncipe pouco tem de ver com moralidade. Tem de ver com a beleza e a bondade. Ou melhor: com graça. Questões que não podem ser conhecidas em abstrações, mas unicamente através de serem vivenciadas. Não podem ser observadas facilmente, pois normalmente são encontradas por acaso. O príncipe nos propicia este encontro.

 

Ao longo de todo o romance, o príncipe é descrito de forma paralela à figura de Jesus. Afinal, “com um simples olhar para o príncipe podia ficar plenamente tranquilo”. Tal qual a figura desconcertante de Jesus afirma, “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo. Mas eu digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem […]”, o príncipe, sem frases de efeito, mas com atitudes de amor e bondade desconcerta toda uma sociedade à sua volta. Afinal, como o próprio príncipe afirma, “a essência do sentimento religioso não se enquadra em nenhum juízo, em nenhum ato ou crime ou nenhum ateísmo”, e sim em atitudes de graça.

 

Com bondade e beleza messiânicas o príncipe, como Jesus, revoluciona o mundo com humanidade.

 

A simplicidade da graça é desconcertante.