#142

“…elas [as classes baixas] crescerão… com um ódio ‘instintivo’ aos livros e às flores.”
O Diretor em “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley

 

No livro “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley o mundo pós-utópico descrito pelo autor é marcado por manipulações genéticas que conduzem e determinam a procriação humana e a condicionam ao lema globalista do estado mundial: comunidade, identidade, estabilidade. Seres humanos, já antes de nascerem, possuem função, personalidade e um lugar específico na sociedade (lugar este que são estimulados a valorizar e amar). Curiosamente, as classes baixas, neste estado mundial, são determinadas –através de diversos métodos aparentemente comportamentalistas– a desenvolverem ódio e rejeição a livros e flores. Nas palavras do diretor de “Incubação e Condicionamento” a rejeição aos livros faria com que as classes mais baixas não tivessem acesso ao conhecimento/sabedoria e a rejeição às flores, por sua vez, faria com que as classes baixas se concentrassem no trabalho nas fábricas e não em distrações da natureza.

 

Huxley se encaixa em um grupo de autores que “profetizaram” certas características que hoje estão presentes no mundo moderno, antes que estas características existissem. Autores como Ray Bradbury (Farenheit 451) e George Orwell (1984) anteciparam, décadas atrás em suas respectivas obras, muito do que hoje é a realidade ao nosso redor. Parte da razão do porque a Bíblia continua –para a Terceira Margem do Rio– um objeto de estudo fascinante mesmo milênios depois de sua elaboração se dá por esta mesma característica: a habilidade de descrever e antecipar de fato quem o ser humano é e/ou passaria a ser.

 

O texto de Gênesis 1-2, por exemplo, delineia timidamente certas facetas do mundo antes do pecado. Dentre as muitas características do “admirável mundo novo do livro de Gênesis”, ao menos duas dialogam com o condicionamento social das classes baixas do “Admirável Mundo Novo” de Huxley: sabedoria e natureza. Condicionar as classes mais baixas a rejeitar livros e flores, no contexto da Bíblia, significa tirar do ser humano duas características básicas do plano original de sua criação. Com base em Gênesis 1-2, a leitura de Huxley se torna ainda mais dramática.

 

Com respeito à sabedoria: o texto de Gênesis indica que no centro do Jardim no Éden DEUS plantou duas árvores: a árvore da vida (representando a dádiva do alimento sustentando a vida dos seres humanos) e a árvore do conhecimento do bem e do mal (representando a dádiva divina aos seres humanos de desenvolverem o discernimento entre o bem e o mal). Ambas as árvores apontam para a dependência humana de DEUS tanto para a vida, como para viver essa vida de maneira sábia. Ao contrário dos lideres mundiais de Huxley, DEUS não retém conhecimento. Ele cria o ser humano não para manipulá-lo e fazer com que Lhe obedeça cegamente, mas para ser como Ele, tendo a habilidade de discernir entre o bem e o mal. As palavras da serpente em Gênesis 3, no entanto, sugerem o oposto. A serpente argumenta que DEUS sabe que no dia em que a humanidade provasse do fruto, seria como o próprio DEUS, conhecedora do bem e do mal. O que Adão e Eva descobrem apenas depois de provarem do fruto, é que eles já eram como DEUS e possuíam esta habilidade de discernimento desde sua criação. Ao contrário do diretor do centro de incubação e condicionamento de Huxley, DEUS não retém nada.

 

Com respeito à natureza: o Éden era perfeito, pois era simples. Os primeiros humanos viviam rodeados por e imersos na natureza; faziam parte dela. No centro da experiência do que significava ser humano –e até mesmo no contexto da própria aliança– além da relação com DEUS e uns com os outros, estava também a relação com o meio ambiente. O ser humano, assim como os animais e as plantas, surge do pó da terra. Há algo fundamental que nos conecta com o mundo natural, como se fôssemos, de fato, todos “farinha do mesmo saco”. Se desligar da natureza é perder uma dimensão fundamental do que nos caracteriza como seres humanos. O descanso do Shabbat descrito em Gênesis 2 e retomado no quarto mandamento em Êxodo 20 não está necessariamente desassociado do trabalho. No contexto da relação do ser humano com DEUS e com o meio ambiente é este descanso que nos recria para que possamos continuar sendo à imagem e semelhança de DEUS.

 

A escravidão no mundo de Huxley se completa quando o ser humano é condicionado a rejeitar sabedoria e natureza, livros e flores. Tudo com o intuito de forçá-lo a trabalhar. Curiosamente uma grande parte da sociedade moderna escolhe exatamente isto; não somos necessariamente condicionados antes de nascermos a rejeitarmos livros e flores, mas, na realidade, é justamente isso que torna nosso contexto ainda mais trágico: escolhemos rejeitar estas duas coisas aparentemente por livre e espontânea vontade. Trabalhamos para ganhar dinheiro para que possamos comprar coisas e em nosso dia a dia acabamos concordando com o diretor de Huxley: “as flores do campo e as paisagens têm um grave defeito: são gratuitas.”

 

Levando Gênesis em consideração, cria-se o senso de que as melhores coisas da vida são aquelas que nos são dadas gratuitamente: família, fé, um mundo a ser explorado e apreciado, paisagens, livros e flores.