Depois da escolha de Arão e seus filhos como sacerdotes e da tribo de Levi como responsável pelo cuidado e manutenção do Santuário (ver Números 3-4) as leituras e discussões em torno do sacerdócio se resumem a exatamente isso: o que cada um fazia (com papel de destaque para o sumo-sacerdote).
Desta maneira alguns personagens –por exemplo Samuel que serviu como sacerdote (1 Samuel 2-3), ou de Salomão ao oferecer sacrifícios no Templo em sua inauguração (1 Reis 8)– são tratados como exceções ou problemas textuais. No Novo Testamento o próprio papel de Jesus como sacerdote é discutido, visto que ele não era descendente de nem de levitas, tampouco de Arão. Mesmo o famoso texto de sua relação com Melquisedeque (Hebreus 5) é motivo de debate.
Entretanto, é importante notar algo anterior ao estabelecimento do Santuário: o destaque dado ao primogênito. Antes de chamar Israel de “reino de sacerdotes e nação santa”, DEUS o chama de primogênito (Êxodo 4:22). A última praga derramada no Egito, inclusive, possui essa mesma ligação com a primogenitura (Êxodo 12-13).
Na narrativa da construção do Santuário do deserto há uma passagem que também menciona os primogênitos, não só dos animais, mas dos filhos do povo. Quando o texto trata das festas que Israel celebraria, especificamente a Festa dos Pães Asmos (diretamente ligada com a Páscoa), DEUS deixa claro que todo primogênito é dEle: “Todo o que abre a madre é meu, o que abre a madre de vacas e ovelhas. O jumento, porém, que abrir a madre, resgata-lo-ás com cordeiro; mas, se não o resgatares, será desnucado. Remirás todos os primogênitos de teus filhos. Ninguém aparecerá diante de mim de mãos vazias.” (Êxodo 34:19-20).
Os versos acima apresentam a ideia de que todo primogênito pertence ao Eterno e devem a ELE ser entregues, com exceção do jumento e dos filhos de Israel, que deveriam ser resgatados. Ou seja: uma oferta deveria ser dada em lugar deles. Essa oferta seria dada na Festa dos Pães Asmos, que é a sequência da Páscoa.
Em Números 3:40-51 a ordem de Êxodo 34 é mais bem explicada. Todo o primogênito é de DEUS, mas em lugar destes, ELE coloca os levitas. E em cima de todo o excedente dos primogênitos de Israel em relação ao número de levitas cobrava-se um “tributo” em que todo dinheiro arrecadado foi dado a Arão e seus filhos. Novamente em Números 8:14-18 o assunto é retomado e resumido: “E separarás os levitas do meio dos filhos de Israel; os levitas serão meus. Depois disso, entrarão os levitas para fazerem o serviço da tenda da congregação; e tu os purificarás e, por oferta movida, os apresentarás, porquanto eles dentre os filhos de Israel me são dados; em lugar de todo aquele que abre a madre, do primogênito de cada um dos filhos de Israel, para mim os tomei. Porque meu é todo o primogênito entre os filhos de Israel, tanto de homens como de animais; no dia em que, na terra do Egito, feri todo o primogênito, os consagrei para mim. Tomei os levitas em lugar de todo o primogênito entre os filhos de Israel.”
A primogenitura que (no Antigo Oriente Médio (AOM) e também na Bíblia) sempre é associada à bênção e continuação da semente, ganha uma nova dimensão depois da libertação de Israel do Egito através da Páscoa: ela se torna diretamente relacionada ao serviço a DEUS; da mesma maneira que a escolha de Israel como “primogênito” das nações vai se evidenciar no serviço às outras nações.
Dentro de Israel os levitas farão o serviço. Mas ainda assim, há a possibilidade de qualquer primogênito servir no Santuário também, mesmo não sendo levita: se não houver resgate do primogênito (oferta dada a DEUS via Tabernáculo/Templo), este deveria servi-lO. Samuel, Salomão e o próprio Jesus se encaixam perfeitamente nessa categoria.
A bênção da primogenitura, no caso da Páscoa e do Santuário, deixa de estar conectada à benção patriarcal e passa ao serviço: o primeiro é o que serve. Quando um primogênito não era resgatado, ele abria mão tanto da bênção patriarcal como também do direito à herança por si e toda sua descendência. Do ponto de vista jurídico, deixava de ser primogênito para servir, assim cumprindo o sentido real da primogenitura, que era justamente o serviço (tal qual Israel, como primogênito, deveria servir ao mundo).
Como visto nos textos anteriores (#134 #135 #137) e, aqui, nesse, o sacerdócio está além de um povo, de uma tribo, de um indivíduo e de uma função conectada a um lugar. Sacerdócio envolve a totalidade dos “crentes” servindo a totalidade do mundo, em obediência. Ao mesmo tempo, Hebreus 7 deixa claro que o serviço sacerdotal ligado ao Santuário/Templo era uma sombra do ministério de Jesus e, portanto, tudo o que estava conectado ao lugar, destruído pela segunda vez em 70 d.C., se cumpre nELE.
Portanto, equiparar o serviço sacerdotal ao ministério pastoral é, em primeiro lugar, roubar o lugar dELE e, em segundo lugar, tornar exclusivista um conceito que é, desde o primeiro momento, inclusivo.
O serviço sacerdotal não é exclusivo a uma casta, mas, sim, de todos os que são filhos e se tornam parte do povo dELE, primogênitos do Pai. Segundo a Bíblia, a responsabilidade e o privilégio são de todos.