#132

“[…] se DEUS realmente existisse, seria necessário aboli-lO.”
Michael Bakunin

A narrativa da Torre de Babel em Genesis 11 é trágica. Ela repete uma linha temática que começou no Éden: harmonia – caos – restauração. No Éden tudo estava em perfeita harmonia até o caos consequente da queda. Após a restauração proporcionada por DEUS através da promessa de resolução, o ser humano experimenta mais uma vez um tipo de harmonia. Adão e Eva têm dois filhos e tudo parece tranquilo até Cain matar Abel. Novamente o caos se instala, DEUS reaparece e mais uma vez promete restauração e proteção. Após este episódio uma nova etapa na narrativa bíblica é inaugurada com o nascimento de Sete, cuja descendência “invoca o nome do Senhor” (Gênesis 4:26). Porém de novo a harmonia é destruída pela maldade do ser humano e tem o caos como consequência, desta vez na forma do dilúvio. A aliança após o dilúvio é feita com todos os seres da terra e a promessa de restauração e proteção a acompanha, mas mal passou este episódio e mais uma vez estamos diante de uma nova tragédia, um novo caos: Genesis 11.

O mundo e seus habitantes estavam vivendo de forma semelhante aos seres humanos antes do dilúvio em que todo pensamento e ato era continuamente mal. O texto de Gênesis 11 abre dizendo: “Em toda terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar… E partindo eles do oriente deram com uma planíce na terra de Sinar e habitaram ali” (Gênesis 11:1-2). Jacques Doukhan em seu comentário de Genesis diz que a uniformidade de pensamento, fala e conduta resulta na uniformidade de residência e uma das manifestações mais antigas de totalitarismo. A movimentação ao Oriente também não é nova: Adão após a queda, Cain após o assassinato, e agora a humanidade após o dilúvio se movimenta em direção ao oriente, se distanciando de onde estivera o jardim, em uma indicação de rebelião a e/ou abandono de DEUS. Uniformidade de pensamento, fala, conduta e residência no contexto de uma rejeição do Eterno.

A rejeição de DEUS aparece no texto de forma sutil: “Vinde, façamos para nós uma cidade e uma torre” (Gênesis 11: 4). O plano divino de multiplicação e preenchimento da terra estabelecido no Éden (e reafirmado após o dilúvio) é substituído por um projeto de criar “para si” um império unificado. Um regime totalitário com pretensões religiosas está em formação em que o homem valoriza os feitos humanos acima de qualquer outra coisa. (Milênios depois, já no período considerado moderno, tudo isto ressoa em conceitos como “ordem e progresso”, em que, de maneira absurda e totalitária, se confia no razão humana acima de qualquer outra coisa.) Nota-se o silêncio divino em relação à autonomia e tecnologia humana. O mundo de Babel é um mundo em que a ansiedade humana diante do possível espalhamento sobre a terra os conduz à uniformidade de pensamento e ação, sem DEUS.

O projeto da torre é cheio de ambição. Uma cidade e torre que chegariam ao céu e que garantiriam à humanidade segurança (diante do espalhamento) e um nome. Porém, assim que a construção se inicia e desenvolve (a mesma que mirava as alturas, as portas do céu) DEUS desce. Grande é a ironia aqui. O ser humano constrói uma torre que deveria chegar aos céus, e ainda assim, DEUS precisa “descer” pra ver esse “grande feito.” Uniformidade, rejeição dEle, e insignificância. Os maiores feitos da humanidade, sem DEUS, quer seja nos séculos 18/19 ou na torre de Babel, são insignificantes aos Seus olhos. Aqui nessa história, no entanto, encontramos a raiz de mais um detalhe que ainda permanece real em nossos dias: o ímpeto de negar o Eterno para encobrir nossa ansiedade de lidar com o incerto.

E como foi no passado assim é hoje. O personagem controverso de Michael Bakunin, milhares de anos depois de Babel, reafirma o espírito da época: se DEUS existe seria necessário aboli-lO. O medo do desconhecido, do que se não pode controlar ou manipular, o medo da possibilidade da existência de DEUS, forma uma visão utópica de uma sociedade que aspira independência de tudo que é religioso. Continuamos presos à nossas linguagens e confusões, ansiosos com relação a um futuro incerto, e pra completar nosso atual predicamento: o silêncio de DEUS. Até quando viveremos assim? Até quando DEUS irá observar sem intervir? Até quando a tecnologia e a industria nos aprisionarão a uma só maneira de pensar e agir nesse mundo globalizado?

Na busca por respostas vale ressaltar que em Gênesis 11 DEUS “desce” duas vezes: na primeira vez para investigar a situação da torre; na segunda, para executar juízo sobre a humanidade. Talvez o silêncio dEle em nossos dias seja indicativo de simplesmente isto: estamos ainda na primeira fase… DEUS observa, avalia, investiga. E nós… aguardamos a segunda “descida”, a restauração.