#14

“[…] ainda que o Senhor fizesse janelas no céu, poderia suceder isso?[…]”

2 Reis 7:2

Em 2 Reis 6:24-30 a cidade de Samaria aparece sitiada pelo exército de Ben-Hadade, rei da Síria. A situação é descrita como calamitosa. O desastre era grande a ponto do povo comprar esterco de pomba por cinco ciclos de prata. Ou até mesmo se alimentar dos filhos uns dos outros. O rei, abalado com a selvageria do povo, considera o Senhor como o responsável por tudo aquilo. Não somente isso, mas também ordena que o profeta Eliseu fosse decapitado. No entanto, antes que qualquer coisa fosse feita, Eliseu prediz abundância de alimento para o dia seguinte. Descrente desta [im]possível realidade, o capitão do rei diz que nem se o Senhor fizesse janelas no céu (cf. 2Rs 7:2) aquilo sucederia. Mesmo assim, Eliseu confirma a profecia com o acréscimo de que o capitão veria tudo, mas sem desfrutar do que veria.

Enquanto isto, quatro leprosos viviam fora dos portões da cidade. Eles são a fronteira entre a fome dentro dos muros e a comida em abundância no acampamento sírio. Eles estão “entre”. Pertencendo à cidade e ao mesmo tempo ao campo, eles concretizam os dois polos da narrativa. Por ser inevitável a morte por fome, decidem ir ao acampamento sírio em busca de comida. Todavia, ao chegarem no acampamento, não havia mais ninguém. O Senhor fez ouvir no acampamento o som de um grande exército, fazendo-os pensar que os egípcios vieram contra eles.

Aqui começam as reversões. Enquanto os leprosos fazem festa no acampamento, na “segurança” atrás dos muros da cidade o povo morre de fome. Enquanto o rei se conforma com a situação dentro dos portões de sua fortaleza, quatro leprosos atacam o acampamento sírio. E no ápice das reversões (v.9) há uma mudança moral da parte dos leprosos. Eles dizem: “Não fazemos bem; este dia é dia de boas-novas, e nós nos calamos. […] vamos e o anunciemos”.

Quatro leprosos excluídos provêm comida abundante para uma cidade inteira. Quatro leprosos, e não os homens do portão, trazem as boas-novas. Quatro leprosos salvam uma cidade na qual eles mesmos não podem entrar. Com o anúncio das boas-novas, os limites são escancarados. Não mais leprosos, mas alimento aparece nos portões.

Toda a narrativa está entrelaçada. Há uma relação entre os leprosos (מְצֹרָעִ֖ים – metsora’im) e Egito (מִצְרַ֖יִם – mitsraim). O exército egípcio que os sírios ouvem são simplesmente quatro leprosos que chegam no acampamento. No entanto, não foi o simples som de quatro leprosos que fez com que todos fugissem. O Senhor estava por trás de tudo. Apesar de achar impossível que tudo acontecesse mesmo que se abrissem janelas (אֲרֻבּוֹת֙ – arubot) no céu, quatro (אַרְבָּעָ֧ה – arba’) leprosos trazem a notícia de que há alimento em abundância. Os quatro leprosos são as janelas no céu por meio dos quais o Senhor alimenta todo o povo.

Isto é um prelúdio do evangelho. As boas-novas colocam todos no mesmo nível. Sem que haja melhores. Sem donos da verdade. Elas confundem todas as nivelações que fazemos. Antes de tudo, porque embaralham a linha entre Criador e criatura.