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A Bíblia é permeada por ações simbólicas convencionais: caminhar entre as partes de animais, compartilhar uma refeição, furar a orelha de um escravo, cobrir uma mulher com manto, remover as sandálias, dentre outras. Como qualquer outro livro, através de seus textos, a Bíblia carrega um vasto número de ações convencionadas com seus próprios significados de acordo com o momento.

Uma destas ações, que carregava vasto significado, era a unção. Nota-se que a prática da unção em textos ugaríticos e egípcios ocorrem em contextos e com funções diferentes. Na vida privada do Antigo Oriente Médio, a unção parece estar associada tanto para propósitos higiênicos como cosméticos. Alguns acreditavam que a unção possuía poder inerente de cura. Na esfera legal, a unção muitas vezes aparece associada a compras, relações de suserania e vassalagem, instituição de reis substitutos e também, em alguns casos, do próprio rei em si.

No texto bíblico, vemos a unção de objetos, sacerdotes, reis e em uma situação, um profeta.

Em Êxodo 28:41, quanto aos sacerdotes recém escolhidos (Arão e seus filhos), lemos: “[…] e os ungirás, e consagrarás, e santificarás, para que me oficiem como sacerdotes”. Logo em seguida, em Êxodo 30:22-30, vemos todas as especificações de como deveria ser preparado este óleo da santa unção.

Primariamente, a unção parece ter a função de conferir/dar algo àquele que é ungido. Em Êxodo 29:29 lemos: “As vestes santas de Arão passarão aos seus filhos depois dele, para serem ungidos nelas e consagrados nelas”. A expressão “para serem ungidos” (לְמָשְׁחָ֣ה– lemashehah), aparece em Números 18:8 em referência às ofertas dadas aos sacerdotes quando DEUS diz: “dei-as” (לְמָשְׁחָ֣ה– lemashehah). A ideia básica da unção é que o ungido é um eleito divino. A ele é dado algo de especial. E esse algo é, basicamente, mais serviço. Ele é o eleito –e não o outro– porque ele é o eleito por causa do e para servir ao outro.

O ungido é o escolhido, antes de tudo, por causa do outro.

Em 1 Reis 19:15-16, o único episódio onde há a unção de um profeta, também é possível observar a relação desta unção com a preocupação com o outro. O episódio da fuga de Elias logo após o episódio no monte Carmelo possui alguns paralelos com Êxodo 33-34. Nos dois episódios há menção de 40 dias de jejum e revelação no Sinai/Horebe (Êxodo 34:28; 1 Reis 19:8); nos dois episódios há menção dos profetas encobrirem a face (Êxodo 33:22; 1 Reis 19:13); nos dois episódios a situação é de crise quanto à adoração (bezerro de ouro e Baal); dentre outros.

O ponto é que em Êxodo 32:9 a 33:14, há intercessão. DEUS propõe a Moisés que fosse feito uma nova nação a partir deste, mas Moisés rejeita isto e intercede pelo povo. Em 1 Reis 19:14-16, em meio à crise, Elias afirma: “[…] Tenho sido em extremo zeloso pelo SENHOR, DEUS dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida. Disse-lhe o SENHOR: Vai, volta ao teu caminho para o deserto de Damasco e, em chegando lá, unge a Hazael rei sobre a Síria. A Jeú, filho de Ninsi, ungirás rei sobre Israel e também Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, ungirás profeta em teu lugar”.

A essência do ungido é o serviço. O ungido é aquele que não apenas é a boca de DEUS para o povo, mas, também, a boca do povo para DEUS.