#117

Na mesma seção da aparição das flores conectadas à primavera e ao amor, também aparece a ideia de frutos prontos para a colheita, no caso, os figos:

“Levanta-te, amada minha,
formosa minha, e vem.
Pois eis que o inverno passou,
e a chuva cessou e se foi;
as flores aparecem na terra;
o tempo do cântico chegou;
a voz da rolinha é ouvida na nossa terra;
a figueira já dá seus figos,
e a videira está florescendo, dando sua fragrância.
Levanta-te amada minha,
formosa minha e vem!” (Cântico dos Cânticos 2:10-13)

Este texto tem um paralelismo polissêmico[1] interessante: a palavra “cântico”, do hebraico zmyr (זמיר), também pode ser traduzida como “poda”, ou seja, a polissemia está em que as duas traduções são possíveis e, não só isso, o poeta deve ter usado exatamente esta palavra para que os dois significados soassem simultaneamente. Quer dizer, o tempo do amor não é apenas do cântico e das flores, é também da poda, da colheita. O tempo do amor não envolve apenas a beleza, há também trabalho a ser realizado.

A variação no uso dos frutos é extremamente interessante e significativa ao longo do livro. O tempo do amor é descrito em termos de colheita, mas a relação dos amantes está mais para a transformação destes frutos maduros em algo diferente, como o vinho. As vinhas florescem, há o convite. Mas quando há o encontro, não são as uvas, mas sim o vinho que é evocado (Cântico dos Cânticos 1:2 e 4:10, entre outros).

Para ficar mais claro, vejamos o exemplo das romãs: elas aparecem em Cântico dos Cânticos cerca de seis vezes. Em 4:3 e 13 os lábios da amada são descritas como sendo semelhantes a romãs partidas e depois, mais apimentado, ele descreve os “renovos” dela como um parque de romãs. Como a metáfora ligada ao jardim é forte, a palavra para “renovo” parece deslocada na descrição, mas fato é que o uso dela em outros textos da Bíblia Hebraica sugere um lugar ligado a fontes de água, sempre umedecido. Ou seja: é a região dos fluídos corporais íntimos da amada que ele está descrevendo como um pomar de romãs!

Ainda no contexto das romãs, em 6:7 há quase a repetição da mesma ideia, agora da romã partida em relação às bochechas; em 6:11, no entanto, ele olha para ela, olha para baixo, para o vale dela, para ver as romãs florescerem. Mais adiante, em 7:12 (ou 13) ele fala de entregar seu amor a ela no lugar onde as romãs estão em flor.

Por fim, pela primeira vez, ela menciona romãs (até aqui era somente ele). Em 8:2 ela fala de dar a ele de beber do suco da romã. A descrição anterior, da romã como lábios e bochecha parecem indicar duas regiões possíveis: a região facial e a genital. Portanto ela o convida a beber desse suco.

As romãs, partidas, em fruto, em flor, na forma de suco, apontam para uma variedade poética que indica o contrário do tédio. O amor entre eles, fisicamente inclusive, é vivido de maneira consistente e diversa.

Ao passo que as flores indicam delicadeza e beleza, os frutos indicam maturidade e intensidade do amor entre os dois.

Neste “jardim fechado”, além do sentido visual e olfativo das flores, há o aspecto táctil e o paladar das frutas. O amor deve ser vivido pelos dois amantes em seu âmbito máximo.

[1] Também chamado de paralelismo Janus.