Nos textos #107 e #108 estivemos tratando do texto de Zacarias 3. Chegamos agora ao verso 9 do referido capítulo. Lemos: “Porque eis aqui a pedra que pus diante de Josué; sobre esta pedra única estão sete olhos; eis que eu lavrarei a sua escultura, diz o Senhor dos Exércitos, e tirarei a iniquidade desta terra, num só dia.” Um dos problemas desse verso é entender o significado da expressão “um dia”. No hebraico, echad (אחד) não é apenas um numeral, também pode funcionar como adjetivo em alguns casos, descrevendo um aspecto distinto do substantivo que o diferencia. Aqui, entendemos ser esse o caso. O dia é único porque não há outro igual.
A expressão “um dia” aparece em outros textos, tais como Isaías 9:14, 10:17, 47:9, 66:8 e II Crônicas 28:6, contudo, somente em II Crônicas temos a evidência de que é um dia literal e específico, pois nos textos de Isaías esta expressão parece se referir a um dia de juízo futuro, indefinido temporalmente, mas singular quanto ao acontecimento que ocorrerá. Neste sentido, o “um dia” de Zacarias 3:9, por também estar no contexto de uma profecia (como os texto de Isaías), pode ser específico quanto ao “o que” ocorrerá, mas indefinido em relação ao “quando” e “por quanto tempo” vai ocorrer.
Anterior à expressão está o verbo “tirar” (“tirarei a iniquidade da Terra em um só dia”), na qual aparece o verbo hebraico mush (מוש) e que tem um sentido total e eterno (como em Isaías 54:10, 59:21, se referindo a aliança de paz que jamais será tirada).
O dia em questão, portanto, é um tempo em que a iniquidade, do hebraico avon (עון), que significa “perversão”, “transgressão” e “desvio”, bem como as consequências deste (Gênesis 19:15; Jeremias 51:7; etc.), será tirada de toda a Terra. A pergunta natural que surge desse fato é: como a iniquidade será tirada da Terra em um só dia?
A ação de tirar a iniquidade da Terra está relacionada com a figura da “pedra’, não uma pedra qualquer, uma pedra que possui “sete olhos” e que foi “lavrada”. A palavra pedra no texto é o vocábulo hebraico mais comum para designar a mesma. Essa pedra possui sete olhos. A mesma expressão, “sete olhos”, aparece em Zacarias 4:10 e Apocalipse 5:6, com a ideia de efetivação de um juízo perfeito e justo por parte de Deus.
No entanto, além de possuir sete olhos, esta pedra era lavrada, ou seja, clivada, lapidada. A palavra “lavrada” do hebraico pittuach (פּתּחה – só aparece no piel), é da raiz de um verbo com o sentido de “entalhar” pedra, ouro ou madeira. Esse verbo é usado em vários contextos interessantes, entre eles, três bem curiosos. O primeiro contexto é o das vestiduras do sumo sacerdote, mais especificamente das duas pedras em que deveriam ser entalhados os nomes das 12 tribos (Êx 28:9,11) e colocados na estola sacerdotal. O segundo contexto é o das 12 pedras entalhadas com o nome das 12 tribos colocadas no peitoral do sacerdote, também chamado de peitoral do juízo (Êx. 28:15-21). O terceiro contexto é o do diadema de ouro que Arão levaria na testa sempre (Êx. 28:36-38), carregando a iniquidade das coisas santas consagradas por Israel a Deus.
Esses contexto fortalecem as diversas conexões apontadas anteriormente com a ideia de juízo conectada ao santuário e ao serviço do sacerdote nele. Principalmente quanto notamos que todas essas ligações culminam com o fim da iniquidade em “um só dia”. A imagem da troca de vestimentas (3:4-5), aliada a confirmação do sacerdócio de Josué e do simbolismo dele relacionado ao “broto” (3:7-8) e todo o linguajar definitivo do verso nove, parecem apontar para um Dia da Expiação, um Yom Kippur conduzido não por Josué, o sumo-sacerdote da época, mas pela “pedra de sete olhos”, pelo Renovo.
Zacarias 3 carrega a forte ideia de que a figura messiânica do Renovo seria um sacerdote e que Ele conduziria um juízo escatológico nos moldes do Yom Kippur.